17/11/2004 - 10:00
Em maio de 1996, o líder palestino Yasser Arafat repetiu em entrevista a ISTOÉ a promessa que havia feito a seu povo: “Quando eu morrer, serei enterrado em Jerusalém.” Esta seria mais uma das promessas que ele não conseguiria cumprir. O corpo do velho comandante da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) terá sepulcro – tido como provisório – na Muqata, o mesmo bunker na cidade de Ramalá, na Cisjordânia, onde ele há três anos fora praticamente enterrado vivo, numa prisão domiciliar imposta pelas forças de segurança de Israel. Arafat faleceu aos 75 anos, num hospital nos subúrbios de Paris, e a causa mortis não foi revelada pelos médicos, a pedido da família. O fato gerou inúmeros boatos, inclusive o de que ele teria sido envenenado com toxina pelos israelenses. Dali, o corpo seguiu para o Cairo, onde se realizaram as cerimônias fúnebres. Na sexta-feira 12, último dia do Ramadã, Arafat voltou para a fortaleza-mausoléu da Muqata, onde seu sepultamento teve que ser feito às pressas, por causa de distúrbios da multidão, em meio a tiros disparados para o alto. Agora se poderá verificar a verdade sobre outro compromisso manifestado por Arafat em 1996: o de que deixaria herdeiros capazes de substituí-lo no poder. “A Autoridade Nacional Palestina tem quadros bons e eficazes no comando. Posso morrer tranquilo, pois deixarei os palestinos em boas mãos”, disse.
Por enquanto, a formalidade do comando recai sobre as figuras de dois homens. O primeiro é Mahmoud Abbas, também conhecido como Abu Mazen, que em 2003 foi elevado ao posto de primeiro-ministro pelo meteórico período de quatro meses. Renunciou, pois não era levado a sério nem pelos israelenses, nem por Arafat. O co-piloto nesta primeira parte de uma empreitada duvidosa é Ahmed Korei, que foi escolhido a dedo, em outubro de 2003, para substituir Abbas. Era, na verdade, um marionete nas mãos do líder de fato: Arafat. “De certo modo, as ruínas de Muqata, o QG da Autoridade Palestina destruído por Israel, são emblemáticas do comando pós-Arafat. O governo, tanto quanto sua sede física, está fragmentado”, diz Rory Miller, especialista em Oriente Médio e professor do King’s College.
As leis palestinas prevêem eleições em 60 dias depois do enterro, mas numa terra onde a lei era Arafat, não se pode apostar na opção das urnas. “Entre a elite palestina está se manobrando para a formação de um conselho de governo a partir de um compromisso entre as partes, que deverá ser sacramentado pelo Conselho Legislativo Palestino”, diz o ex-diplomata americano Edward Abington, atual conselheiro da ANP.
As lideranças mais jovens, que ao longo dos anos foram obscurecidas por Arafat, têm na situação de agora a maior oportunidade para fazer valer
suas credenciais. O primeiro nome da lista deste jovens turcos é Muhammad Dahlan, 43 anos, ex-chefe das Forças de Segurança Preventivas na Faixa de Gaza, durante os anos 90. Sua atuação na repressão aos militantes radicais do Hamas e da Jihad Islâmico o transformou em persona non grata para estes grupos. O pior é que israelenses e americanos também não o vêem com bons olhos e o acusam de não ter agido com firmeza para conter os ataques da intifada. “Mesmo com isso, Dahlan é tido como homem sério e um hábil negociador. A política mais acertada para ele seria esperar sua vez, trabalhando para reforçar a emergência de lideranças mais jovens. O que é o que ele vinha pregando há anos, sem merecer os ouvidos da AP”, diz o professor Miller.
Contra a corrupção – O grande azarão nesta corrida rumo ao poder é Marwan Barghouti, 44 anos, uma espécie de moderado que, segundo as pesquisas de opinião pública entre palestinos, só perdia em popularidade para o próprio Arafat. O problema deste homem que prega a conciliação e o cessar de hostilidades contra Israel é que ele está, desde maio último, encarcerado numa prisão israelense. Foi acusado de planejar cinco assassinatos. Suas relações com o governo de Jerusalém eram boas até o início da intifada há quatro anos. “Uma das grandes vantagens de Barghouti é que ele sempre foi um cruzado contra a vasta corrupção da cleptocracia palestina. Por outro lado, esta sua admirável característica pisa nos calos daqueles que lucram com a corrupção”, diz Briam Fitzpatrick, especialista em questões palestinas do Departamento de Estado americano.
Para o governo George W. Bush, a política continuará sendo a de esperar para ver no que vai dar. A chamada política do “Road Map”, montada pela Casa Branca, está morta, mas agora se reforçam as esperanças de que as negociações para a paz ganhem novo fôlego. “O governo Bush se sente justificado com sua política para a questão judaico-palestina. Deve continuar deixando Ariel Sharon agir como deseja.
A História mostra que o Oriente Médio é um imenso túmulo de expectativas esperançosas. Neste caso específico da vida pós-Arafat, os coveiros da expectativas continuam sendo os mesmos que já promoveram o enterro de muita gente e de planos para a paz. “O Hamas não está unificado sobre o caminho a ser seguido. Há quem pregue uma via mais política, sem abandonar de vez a opção militar, para que se possa ganhar o poder num futuro Estado palestino. Mas os líderes militantes mais radicais não concordam com isso. Será interessante ver quem sairá ganhando dentro do movimento. O Hamas está com problemas de liderança, desde o assassinato de vários de seus líderes históricos por Israel, recentemente. Os que agora ocupam postos de comando são menos experientes”, diz o americano Fitzpatrick. “Por outro lado, mesmo sem a força política e o apoio popular que o Hamas tem, existe o movimento Jihad Islâmico. Estes têm uma posição coesa com relação à continuidade das ações militares de confronto e manutenção de atentados contra Israel. Não é muito provável que a Jihad terá muito espaço para as decisões sobre futuras lideranças, mas, de todo modo, alguma influência vai excercer. Sem sabermos concretamente como se portarão esses dois grupos, não é possível adiantar o futuro palestino”, diz Fitzpatrick.