Diz Paulinho da Viola numa das mais exatas páginas da música popular brasileira: “Tinha eu catorze anos de idade/quando meu pai me chamou/perguntou-me se eu queria/estudar filosofia/medicina ou engenharia/tinha eu de ser doutor/mas a minha inspiração/era ter um violão/para me tornar sambista/o meu pai então falou/sambista não tem valor/nessa terra de doutor/de seu doutor… ” Pois é nessa terra brasileira, nessa “terra de doutor” e de “seu doutor”, que o doutor juiz Antonio Marreiros da Silva Melo Neto, da 6ª Vara Cível de São Gonçalo, entrou na Justiça para obrigar funcionários do Edifício Luíza Village a lhe chamarem de doutor (ele abriu mão do respeitoso título “seu” antes do título “doutor”). O doutor Da Silva Melo Neto perdeu em primeira instância. O doutor Da Silva Melo Neto recorreu ao Tribunal de Justiça. O doutor Da Silva Melo Neto ganhou uma liminar, e isso significa que, até o julgamento final sobre como ele deve ser chamado, fica valendo o doutor. Outra decisão da Justiça diz que funcionários do condomínio, a síndica Jeanette Granato e o próprio advogado do doutor estão proibidos de comentar o processo sob pena de multa diária de R$ 1 mil. Diz a liminar: “Antes de ser direito do agravante, mas um dever, e verificando-se nos autos que o mesmo vem sofrendo enorme desrespeito por empregados subalternos (…) mas também desacatos (…) defiro-a.” O “agravante”, no caso, é o doutor, no país de “seu doutor”; “subalternos” são os não-doutores, os “sambistas” da música de Paulinho. O presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Miguel Pachá, disse que o doutor Da Silva Melo Neto deveria desistir da ação. Como o edifício tem de se defender na Justiça, o valor do condomínio (hoje de R$ 270) vai ter de subir. O doutor Da Silva Melo Neto alega que funcionários o desrespeitam e que sabotaram os pneus de seu carro. Se isso aconteceu, o doutor Da Silva Melo Neto tem todo o direito de ir à Justiça queixar-se desses fatos e os responsáveis devem ser punidos. Mas exigir o dê-erre-ponto antes do chamamento, isso é vaidade e não impede que o continuem sabotando. Se o doutor ganhar a ação, definitivamente, acrescenta-se aqui o final do verso do samba do bamba Paulinho: “O meu pai tinha razão…”.