17/11/2004 - 10:00
Aos 61 anos, o médico paraense Leão Zagury mantém a taxa de glicose (açúcar) no sangue em patamares inferiores a 90 miligramas por decilitro. Preservar essa taxa abaixo de 100 é o ideal para afastar o perigo da diabete, doença que mata seis pessoas por minuto no mundo. Zagury, que preside a Sociedade Brasileira de Diabete, tem como aliados os cuidados com a alimentação e atividade física regular. Seu maior objetivo é conscientizar a população da necessidade de realizar exames frequentes de glicose e aderir ao tratamento tão logo constatada sua elevação. “É preciso realizar uma mudança radical de comportamento, adotar uma dieta balanceada e praticar exercícios”, diz.
O combate à obesidade – uma das principais causas da diabete do tipo 2 (a adquirida em razão do estilo de vida) – foi escolhido para tema da campanha que a entidade lança no domingo 14, dia mundial da diabete. A idéia é mostrar que lutar contra o excesso de peso previne a doença. “Hoje, sabemos que consumir muito açúcar não é o principal problema, e sim tornar-se obeso”, alerta. Na semana passada, Zagury participou do 26º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia, em Florianópolis (SC).
ISTOÉ – Qual a incidência da diabete no Brasil e no mundo?
Leão Zagury – Estima-se que há 151 milhões de diabéticos no mundo, população que deve dobrar nos próximos 20 anos. No Brasil, um censo de 1993 mostrou
que cerca de 8% dos brasileiros entre 30 e 69 anos tinham diabete. A incidência na faixa com mais de 70 anos era de 20%. O envelhecimento da população brasileira nesses dez anos nos permite afirmar que a situação hoje está pior. Outro dado alarmante é que para cada pessoa que se sabe diabética há duas que desconhecem essa condição.
ISTOÉ – Por que a obesidade gera a diabete?
Zagury – A insulina é uma substância secretada pelo pâncreas que permite a entrada da glicose (responsável pela produção de energia) nas células. As moléculas de insulina são como chaves que abrem as portas das células para que a glicose entre. Quando o sujeito fica obeso, as fechaduras são obstruídas e a insulina permanece circulando na rede sanguínea. As células, por sua vez, já que não recebem glicose, enviam ao pâncreas um aviso para que ele secrete quantidades cada vez maiores do hormônio. Ao mesmo tempo, o pâncreas acelera essa secreção, até que chega um ponto em que ele não consegue mais produzi-lo. Nesse momento inicia-se a diabete. Se você não ficar gordo, terá pouca probabilidade de tornar-se diabético. No passado, não se considerava a obesidade como um fator de risco para a enfermidade. Hoje, sabemos que consumir muito açúcar não é o principal problema, e sim tornar-se obeso.
ISTOÉ – A única forma de controlar a glicose é injetar insulina?
Zagury – Não. Ela deve ser ministrada quando for necessária. Diversas medidas retardam o momento de tomar insulina. A primeira delas é realizar mudanças de comportamento e de hábitos alimentares. Porém, para muitos pacientes é difícil controlar os níveis de glicose. Aí entram os remédios, que podem melhorar a ação da insulina e estimular a produção do hormônio, entre outros efeitos. Quando nada resolve, usa-se a insulina. Mas o fundamental é a adesão. Se houver remédios, não deixar de tomá-los.
ISTOÉ – Isso é comum?
Zagury – Estudos recentes mostram que os diabéticos aplicam em média 15% menos insulina do que deveriam e, a cada 14 dias, deixam de tomar comprimidos em dois. Geralmente, eles fazem isso porque ficam assustados com as notícias de que consumir muito remédio faz mal. Só que o diabético vai morrer se não tomar direito os seus.
ISTOÉ – Por que muitos pacientes não mudam os hábitos?
Zagury – Culturalmente, o homem evoluiu para trabalhar menos e se poupar de esforços. Não para fazer mais exercícios. A reeducação deve acontecer aos poucos. A cultura do diagnóstico também precisa ser modificada. Em qualquer posto de saúde é possível fazer um exame de glicose. Quem tem mais de 40 anos, é obeso e tem parentes diabéticos deveria fazer o teste todo ano.
ISTOÉ – Há novidades na terapia?
Zagury – O que há de mais interessante disponível é a bomba de infusão de insulina, um dispositivo conectado à região abdominal que injeta pequenas doses de insulina de ação ultra-rápida ao longo de 24 horas. O paciente programa a insulinização. Quando for comer, conta os carboidratos e aperta um botão para que o equipamento calcule quanto de insulina ele precisará para que a refeição seja metabolizada corretamente. Tenho 12 pacientes que estão satisfeitos com a liberdade de horários e de alimentação que ela permite. Basta trocar o dispositivo a cada três dias. Em breve, serão aperfeiçoados sensores, que medirão a glicose a todo momento sem precisar perfurar. O tratamento ideal virá com a invenção de um pâncreas mecânico que faça o controle da glicemia a todo segundo e aplique automaticamente a insulina necessária. O paciente não precisará mais pensar no que vai comer, nem contar carboidratos.