17/11/2004 - 10:00
Pânico, depressão, ansiedade, hiperatividade, crise conjugal ou a simples necessidade de se conhecer melhor. Tamanha agitação no mundo psíquico pode ter milhões de razões: o trânsito, a violência, a iminência do desemprego ou a fragilidade das relações na modernidade. Não importa. O resultado é o consumo exagerado de psicofármacos e a enorme rotatividade nas sessões de psicoterapia. Estudo publicado pela Organização Mundial da Saúde em 2001 apontou a existência de 450 milhões de indivíduos com problemas mentais ou neurológicos no planeta e a estimativa de que, durante a vida, uma em cada quatro pessoas desenvolverá pelo menos um distúrbio. Não é de estranhar, portanto, que mais de um milhão de brasileiros frequente o divã no Brasil, segundo cálculos de especialistas. O difícil é saber a qual divã se dirigir.
Cem anos atrás, Sigmund Freud comemorava o sucesso do livro A interpretação dos sonhos e promovia uma revolução ao difundir a psicanálise. Menos de 20 anos depois, surgiram as primeiras rusgas, dando origem a novas teorias psicanalíticas, como as propostas por Wilhelm Reich e Carl Jung. De lá para cá, diferentes interpretações de sua obra causaram uma proliferação de psicoterapias. Segundo levantamento do psicólogo americano Alan E. Kazdin, eram pelo menos 400 abordagens em 1986. “Hoje passam de 500”, avalia o psicólogo e psicanalista Luiz Alberto Hanns, de São Paulo. Entender os princípios de cada uma e escolher a mais apropriada são tarefas árduas. Para facilitar a vida dos candidatos a uma vaga no divã, foi criada este ano a Associação Brasileira de Psicoterapia (Abrap). “A população quer saber quais procedimentos têm respaldo científico. Cabe a nós oferecer as respostas”, justifica Hanns, presidente da entidade.
A criação da Abrap despertou desconfiança em setores que vêem nela uma tentativa de privilegiar terapias breves e focadas nos sintomas. Em países onde os planos de saúde já credenciam as psicoterapias, foram essas as linhas favorecidas. Na Inglaterra, pesquisadores ligados ao
Serviço Nacional de Saúde publicam compêndios com títulos tão sugestivos quanto What works for whom? (O que funciona para quem?), lançado por Anthony Roth e Peter Fonagy em 1998. O catatau mostra, por exemplo, que apenas a técnica cognitivo-comportamental e a interpessoal são “claramente efetivas” contra a depressão. A psicodinâmica tem “eficácia limitada”.
No entanto, o modelo epidemiológico usado nas pesquisas de eficácia não é apropriado para avaliar a psicoterapia. Normalmente, criam-se grupos de pacientes com o mesmo sintoma e, a cada um, aplica-se determinado método, comparando-se os resultados. O procedimento não leva em conta a saúde a longo prazo, a simultaneidade de sintomas e a hipótese de a remissão do problema ser circunstancial. Os adeptos de terapias breves contestam. “A primeira coisa a ser feita em clínica é solucionar o que é emergencial. Promover mudanças de personalidade é para depois”, diz o psiquiatra Marcelo Feijó de Mello, que coordena um programa de terapia interpessoal (TIP) no Hospital da Universidade Federal de São Paulo. “A terapia consiste na realização de sessões em grupo nas quais a ajuda mútua é o grande trunfo”, explica. Em poucas semanas, o método mudou a vida de Maria Sílvia Ferreira, 28 anos. Há três, teve o marido assassinado. “Minha filha estava com oito dias. Fiquei com medo de sair de casa. Demorei três anos para admitir que precisava de ajuda”, lembra. Ela e outros seis pacientes terminarão o tratamento após 16 sessões e já comemoram. “Voltei a estudar e consigo passar nos locais que frequentava com meu marido”, diz.
Outro método breve que se firma no Brasil é o EMDR (sigla inglesa para dessensibilização e reprocessamento pelo movimento ocular), criado pela
psicóloga americana Francine Shapiro. “Quem passa por uma situação traumática fica perturbado quando se lembra do trauma. Um motivo é a falta de comunicação entre os dois hemisférios do cérebro, que impede o correto processamento das informações. Estímulos bilaterais ajudam a resgatar essa comunicação”, explica o terapeuta carioca José Guilherme de Oliveira, que usa o EMDR há três anos. Mover o dedo de um lado para o outro e pedir para que o paciente o acompanhe com o olhar é a técnica mais comum. Intervalos são feitos para que o paciente conte o que pensou. “Ele passa a atribuir novos significados aos fatos”, diz Oliveira. “Ao mexer os olhos, via imagens da minha mãe no hospital”, lembra a psicóloga Marisa Gonçalves, 43 anos. Em novembro de 2001, ela perdeu a mãe atropelada e, três meses depois, o pai, vítima de infarto. “Hoje lido melhor com as lembranças”, conta.