17/11/2004 - 10:00
Da manga ao churrasco. Conhecido pela fama de bom garfo, é pelo estômago que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende convencer os grandes parceiros comerciais do País a comprar produtos brasileiros. Em setembro passado, foram servidas mangas frescas ao primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi. O premiê se deliciou e, assim, foram vencidos os 30 anos de negociações para fazer entrar frutas brasileiras no mercado japonês. A manga brasileira passou, então, a fazer parte da sobremesa dos japoneses. No sábado 13, na Granja do Torto, será a vez de uma suculenta picanha ser saboreada pela comitiva do presidente chinês, Hu Jintao. “Será a prova dos nove de que a carne brasileira é de excelente qualidade”, afirmou, animado, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. A China anunciou a compra de carne bovina e de frango in natura, porque até agora os chineses só compram do governo brasileiro carnes industrializadas, que rendem apenas US$ 30 milhões. Se a iguaria brasileira vier acompanhada de uma bela salada de soja, então o lobby culinário estará perfeito. O Brasil é o maior exportador de soja para a China (6,5 milhões de toneladas anuais), mas, em maio passado, a China barrou navios brasileiros com sementes contaminadas por agrotóxicos.
Se os chineses forem pegos pelo paladar, então um frango assado poderá ser servido ao presidente russo, Vladimir Putin, que chega a Brasília no dia 21 de novembro, quando tem encontro marcado com o presidente Lula. Além da carne bovina comprada pelos russos – US$ 200 milhões de carne, o mesmo volume que o Brasil quer alcançar com a China –, o País quer passar a vender muitas toneladas de frango para a Rússia. Os russos não estão convencidos das condições sanitárias da exportação brasileira e chegaram a impor um embargo à compra da carne bovina depois de receber uma remessa da Amazônia contaminada pela febre aftosa. “O Ministério da Agricultura respondeu a um questionário de 500 páginas. E os russos deverão enviar uma equipe técnica para avaliar a situação no Brasil”, afirmou a ISTOÉ a embaixadora Maria da Graça Carrión, chefe do Departamento da Europa no Itamaraty.
Com a China, os detalhes das regras sanitárias foram acertados entre as equipes do ministro da Quarentena da China, Li Chiangjiang, e do ministro da Agricultura do Brasil, Roberto Rodrigues. A Coréia do Sul também pretende importar frango do Brasil. O presidente sul-coreano, Roh Moo Hyn, deverá anunciar, na visita que fará ao Brasil na próxima semana, a compra de 50 mil toneladas de aves. A meta dos coreanos é triplicar as compras nos próximos anos. Apesar de o Brasil ser um gigante na exportação de carnes bovina e avícola, além de pretender tornar-se o maior celeiro mundial, a relação entre o País e seus parceiros comerciais ultrapassa a boa mesa. O Brasil quer deixar de ser apenas um exportador de produtos primários, as commodities, e aumentar a venda de produtos com maiores valores agregados. Até porque, é a capacidade de vender mercadorias manufaturadas que fortalece o País no cenário internacional. Um passo importante nesse sentido foi dado pela Embraer, que em maio realizou uma joint-venture com empresas chinesas de aviação para fabricação de aeronaves para vôos regionais.
O comércio com a China deu um galope e deverá galgar saltos maiores. No início da década de 90, as exportações brasileiras para os chineses contabilizavam apenas US$ 381 milhões. No ano passado, esse volume saltou para US$ 4,53 bilhões e poderá ser ampliado, mesmo com a decisão de Pequim de desacelerar seu comércio exterior no próximo ano. Por enquanto, a soja e o minério de ferro predominam na pauta de exportações do Brasil para os chineses – a soja, com US$ 1,3 bilhão, e os minérios de ferro, com US$ 773 milhões –, mas o governo brasileiro anuncia que esse quadro está mudando. “Estamos diversificando nossa pauta de exportações com a China. Já exportamos sucos de laranja, veículos, autopeças e aço. Não estamos repetindo o equívoco, por exemplo, que tivemos com o Japão, para onde exportamos muitos produtos com menor valor agregado e importamos muito com valor agregado. No campo da ciência e tecnologia, já construímos dois satélites com o governo chinês e vamos construir mais dois”, afirmou a ISTOÉ o diretor do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, Mário Vilalva. O turismo também deve ser incrementado. O Brasil, que hoje recebe apenas 16 mil turistas chineses por ano, quer receber 100 mil até 2007.
Nessa visita do presidente Hu, também ficará acertado que nos próximos anos a China deverá realizar investimentos no Brasil da ordem de US$ 8,5 bilhões. Os chineses devem investir US$ 3,5 milhões em projetos de siderurgia, produção de alumínio e mineração, em parceria com a Companhia Vale do Rio Doce. A China também está de olho na construção de malhas ferroviárias pelo País, à espera da aprovação das PPPs. Entre os acordos firmados está a construção de uma usina de alumínio em Barcarena, no Pará, que custará US$ 1 bilhão. A Petrobras, que abriu escritório em Pequim durante a visita do presidente Lula à China em maio passado, analisa a participação da estatal chinesa Sinopec para a construção do gasoduto Sudeste-Nordeste. A China também pretende comprar etanol brasileiro.
No toma-lá-dá-cá, em troca dos investimentos no Brasil, o presidente Hu espera que o governo brasileiro reconheça a China como economia de mercado, classificação que já obteve de 20 países e que muda sua estatura perante as negociações na Organização Mundial de Comércio (OMC). A China ingressou em 2001 na OMC aceitando a condição de ser uma não-economia de mercado, mas faz campanha para mudar seu status econômico. Economias de transição, como a Rússia e a China, são mais vulneráveis às regras antidumping, barreira comercial permitida pela OMC para punir práticas desleais. Mas se o Brasil, por exemplo, declarar-se favoravelmente à reivindicação da China, perderá sua capacidade de impor restrições às importações chinesas. “Na economia de transição se diz que alguns setores podem ser tratados como economia de mercado. A China, todo mundo sabe, produz mercadorias a preços muito baixos. Não só porque ela tem uma mão-de-obra muito barata, mas também porque tem um câmbio artificial. Neste cenário, pode-se ter uma empresa sem competitividade, mas o Estado, injetando dinheiro, a mantém viva. Então, os preços dessa empresa não são de mercado livre”, explica Vilalva. Seja qual for o negociador, o que o Brasil deseja é transparência na mesa de negociações.
Assim como acontece com a China, o governo brasileiro também quer ampliar sua pauta de exportações com a Rússia. Em visita a Moscou no mês passado, o vice-presidente José Alencar afirmou que russos e brasileiros querem diversificar o comércio bilateral. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, a Petrobras tem estimulado empresas russas a participar de licitações para a exploração de petróleo no Brasil. Está também na pauta de discussões a venda de frutas e de software bancário para os russos. Em São Petersburgo, o setor naval é uma das atividades que interessam ao Brasil. Como barganha, a Rússia quer que o Brasil apóie sua entrada na OMC. “Será bom para o País ter um parceiro como a Rússia na OMC”, afirmou a embaixadora Carrión. Ela ainda lembrou que a Rússia foi a primeira a se manifestar favoravelmente a um assento do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, do qual o país faz parte. Mas, como disse o ministro Furlan, “negociação é igual a pescaria. Você joga a isca e, quando parece que pegou, joga um pouco de linha… e vai indo. É um jogo de paciência”.