O presidente da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), o mineiro Guilherme Narciso de Lacerda, é um dos que podem fazer as Parcerias Público-Privadas (as PPPs) decolarem, como deseja o ministro do Planejamento, Guido Mantega. Mas para saírem do papel, diz ele, é preciso mudar a atual política de juros que, hoje, inviabiliza qualquer investimento em infra-estrutura. O fundo de pensão dirigido por Lacerda, cujas contribuições vêm dos funcionários da Caixa Econômica Federal, tem mais de R$ 1 bilhão para dar vida a futuras parcerias entre o setor público e o setor privado.

ISTOÉ – Que garantias os fundos terão de que os investimentos em PPPs terão rendimento igual ao oferecido pelo mercado financeiro?
Guilherme de Lacerda –
O fundo de pensão é um gestor de recursos de terceiros e tem o compromisso de assegurar a previdência complementar de seus associados. As alternativas de investimento estão muito concentradas em títulos públicos. Hoje, a indústria de fundos tem mais de dois terços de seu patrimônio em papéis públicos. Apenas um terço está investido em renda variável. Se excluirmos a Previ (o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), que tem uma posição diferente dos outros fundos, a situação é mais crítica ainda. De um total de 360 fundos ou R$ 250 bilhões de recursos, 70% estão em renda fixa. Essa situação tem sido confortável porque a meta atuarial dos fundos de um modo geral é a inflação mais 6%. Como as taxas de juros no Brasil têm se mantido muito elevadas…

ISTOÉ – Mas essa taxa garante um rendimento extraordinário. Por que
mudar de aplicação?
Lacerda –
O fundo de pensão é um capital paciente, mas não negligente. Não queremos liquidez de banco. Temos que ter garantia de que ao longo do tempo, em 2035, por exemplo, teremos xis por cento e xis milhões. Por isso, considero a taxa de juros problemática. Hoje, estamos comprando título no mercado para 2045 com INPC (inflação) mais 9,1%. Não tem nada parecido ou melhor no mundo. Agora, se todos os investidores pensarem que a alternativa é eminentemente título público, financiar o passivo nacional, vamos ficar sem investimento produtivo.

ISTOÉ – A expectativa é de que o Banco Central continue subindo a taxa…
Lacerda –
Isso é um ajuste de curto prazo. Estamos trabalhando com uma perspectiva de que o juro não ficará nesse patamar. No longo prazo, se não tivermos um juro real decente, da ordem de 6% ou 7%, não teremos investimento produtivo. E muito menos PPPs.

ISTOÉ – Qual deveria ser a rentabilidade de um investimento em PPP?
Lacerda –
Em torno de 12% a 14%. Na Europa, é de 10% a 11%. Lá, eles pagam 2% de juros e acabam ficando com uma taxa real em torno de 8,5% ou 9%. Aqui no Brasil o ideal é uma taxa real de 6% ou 7%. Aí dá para fazer. Se não for assim, fica inviável. Acho muito difícil trabalhar em um país com as necessidades do Brasil sem uma taxa de juros mais baixa. Juro de 10% inibe qualquer investimento produtivo.

ISTOÉ – O governo pode influenciar na decisão dos fundos em investir?
Lacerda –
Não tem governo que vá obrigar um presidente de fundo de pensão a investir se não tiver algumas cláusulas pétreas. Primeiro, o equilíbrio econômico do contrato. Se houver aumento de custo, seja por qualquer motivo, tem que haver um aumento do benefício. Segundo, o risco do negócio é do setor privado.

ISTOÉ – Quanto os fundos de pensão têm para investir em projetos de PPPs?
Lacerda –
Não queremos criar uma falsa expectativa. Temos R$ 250 bilhões, que respondem por 17% do PIB do País. Cerca de 20% da dívida pública está nas nossas mãos. Em tese, se temos 70% em papéis do governo e somos obrigados a ficar com 50%, temos 20 pontos que podemos melhorar. Vinte pontos de R$ 250 bilhões são R$ 50 bilhões. Mas isso não vai acontecer. Só a longuíssimo prazo. Temos muitos fundos pequenos que só investem em produtos do mercado, com rentabilidade garantida. O que a Funcef tem para investir gira em torno de R$ 1 bilhão e R$ 1,2 bilhão. Mas o mais importante é criar estruturas de investimento em que haja a participação de diversos atores.

ISTOÉ – Quem seriam esses parceiros?
Lacerda –
Tem empresas internacionais que já estão aqui, participando em obras de estradas, como as portuguesas e espanholas, e que estão preparadas para investir. Essas companhias, inclusive, já ganharam concessões aqui. Algumas estão no setor elétrico e têm experiência na área de saneamento. São empresas que estão acostumadas a estruturar PPPs em seus países e outros mercados. Não podemos esquecer as nossas empreiteiras. Recentemente fomos a Portugal a convite da Norberto Odebrecht, que possui uma grande estrutura de PPP lá. Ela está fazendo mais de 500 quilômetros em estradas naquele país. Por fim, tem os países que estão intensificando relações com o Brasil, como é o caso da China, da Índia e do próprio Japão.

ISTOÉ – Qual a dificuldade para se aprovar o projeto das PPPs?
Lacerda –
O mais difícil não é chegar com o novo, mas romper com o velho. Nos últimos oito anos, tivemos muitas privatizações em que os fundos de pensão participaram e acabaram saindo das páginas de economia dos jornais para as de polícia. Investimos e não tivemos controle sobre esses recursos. Estamos pagando um preço por isso. A PPP não será uma panacéia, uma varinha mágica que fará um projeto ruim ficar bom. Teremos que trabalhar formas alternativas de engenharia financeira em projetos que não são viáveis em uma lei de concessão.