03/12/2008 - 10:00
Entrevista
Fernando Haddad
"Professor não tem que fazer voto de pobreza"
O ministro da Educação diz que o País acordou tarde para a agenda educacional e que vai ao STF pelo piso de R$ 950
Por Hugo Marques e Octávio Costa

Se tudo ocorrer conforme o projeto do governo, a educação do Brasil em 2021 estará nos níveis dos países desenvolvidos. Mas o ministro da Educação, Fernando Haddad, ressalta que não existe uma "bala de prata" para resolver problemas estruturais. "O Brasil foi o último país a acordar para a agenda da educação", afirma Haddad. Só a partir da Constituição de 1988, diz ele, é que o País se deu conta da dimensão do problema educacional. De lá para cá, houve progressos.

Recentemente, em conversa com o governador de São Paulo, José Serra, Haddad lembrou que 3% dos brasileiros terminaram o ensino médio quando ele também concluiu, aos 18 anos. Hoje, 32% terminam o ensino médio nessa faixa etária. Nesta entrevista à ISTOÉ, Haddad defende o piso de R$ 950 para professores e o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados que obriga universidades federais a destinar metade das vagas a alunos de escola pública. O ministro também diz que voltará à sala de aula quando deixar o cargo.

Fernando Haddad – Há mais de 20 projetos no Congresso e tive a paciência de ler todos. Eles se dividiam em cotas raciais e cotas sociais. Nenhum introduzia critério de renda. Era, de um lado, a escola pública e, do outro, a cor da pele. O presidente Lula disse:
"A desigualdade entre brancos e negros não é compatível com o que o País deseja em termos de desenvolvimento humano. Eu queria um projeto em que o direito dos brancos pobres de escola pública fosse o mesmo que o dos negros." Foi aí que surgiu a idéia de reservar 50% de vagas para alunos oriundos de escola pública e distribuí-las proporcio nalmente entre negros e índios, na proporção da população desses segmentos em cada Estado.
Haddad – Sim, de maneira a não privilegiar nenhum grupo pela cor da sua pele, mas de atender a um critério da proporcionalidade.
Haddad – A repetência vem caindo consistentemente, porém mais lentamente do que deveria. Quando criamos o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2007, o Ministério sinalizou que só há um caminho para a melhoria da qualidade: a promoção com aprendizado. Ou seja: a promoção automática, de um lado, e a indústria da repetência, de outro, serão punidos pelo Ideb.
Haddad – De 2005, o primeiro ano da Prova Brasil, a 2007, observamos que em 80% dos municípios melhorou tanto a aprovação quanto a proficiência em matemática e português.
Haddad – Isso tem uma razão de ser: o Brasil foi o último país a acordar para a agenda da Educação. Temos que tomar consciência do nosso atraso. Na melhor das hipóteses, a Educação entrou na agenda do País apenas na Constituição de 1988. Foi então que se vincularam recursos e definiuse um piso de investimentos.
Haddad – Se levarmos em consideração a média dos 30 países mais ricos do mundo, está certo. Mas, se considerarmos a nota azul, igual ou superior a cinco, que reflete um nível de desenvolvimento educacional aceitável, temos entre 700 e 800 municípios – cerca de 10% – numa situação tolerável.
Haddad – Nas universidades federais a qualidade está demonstrada por todos os indicadores. Praticamente em todos os Estados e no DF a melhor instituição de ensino superior é uma universidade federal. O que estamos fazendo agora é pressionar as particulares a seguir o exemplo das federais.
Haddad – Divulgar os resultados das comissões de medicina – no começo de dezembro – e pedagogia. Segundo informações preliminares, no caso da medicina a situação não é tão dramática quanto se imaginava. Teremos que tomar medidas saneadoras, mas talvez não tão radicais quanto no direito, em que fechamos 25 mil vagas.
Haddad – Eu diria que é o mais importante. O Brasil, dentre muitos equívocos, fez recair sobre os ombros de governadores e prefeitos a tarefa de formar o magistério. Agora, a União passou a atuar na formação. Boa parte da expansão das vagas das federais é de cursos de licenciatura.
Haddad – Nunca investimos tanto nesse quesito. Neste ano, estamos investindo R$ 300 milhões. Em 2009, será R$ 1 bilhão.
Haddad – Não é possível você destacar uma ação e dizer que é a bala de prata que resolverá nossos problemas. É por isso que o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) tem 40 ações.
Haddad – É difícil falar em nota média, porque há cursos muito bons. Mas a maioria não é boa, não é estruturada de maneira adequada.
Haddad – Há públicas também com problemas de inadequação, sobretudo na formação. No começo do ano, por ocasião do lançamento do sistema nacional de formação de professores, vamos divulgar estudo sobre a situação docente no País. É o que vai disciplinar a utilização desse R$ 1 bilhão para formação.
Haddad – Nós estamos firmes, vamos defender no Supremo a constitucionalidade da medida. Entendemos que os R$ 5 bilhões que a União aporta para o Fundeb, contra R$ 500 milhões do antigo Fundef – dez vezes mais -, dão sustentação para que prefeitos de regiões pobres honrem o piso de R$ 950, que, convenhamos, é um pouco mais de dois mínimos.
Haddad – Não é razoável pensar em melhorar a educação sem contar com o principal protagonista, o professor. Quem vai ser atraído para o magistério com um salário de R$ 415, a não ser um sacerdote da educação? Precisamos fazer com que o magistério seja mais que um sacerdócio. A pessoa não precisa fazer voto de pobreza para ser professor.
Haddad – Não haverá cortes. Tenho a convicção de que como proporção do PIB os investimentos públicos em Educação aumentarão. Pelo último dado disponível, entre 2005 e 2006, os investimentos em Educação aumentaram de 3,9% para 4,4% do PIB.
Haddad – Se pegarmos jovens entre 18 e 24 anos, a taxa de analfabetismo de 2002 para cá caiu de 3,6% para 2,2%. Nosso desafio é fazer com que o adulto não alfabetizado se alfabetize.
Haddad – O Brasil nunca olhou para o ensino médio como olha atualmente. Até 2005, o Brasil não distribuía livros didáticos para alunos do ensino médio da escola pública. Talvez essa seja a prova mais eloqüente do quanto nós maltratamos a juventude. Hoje, são oito milhões de jovens atendidos.
Haddad – Sim. Entre 2003 e 2009, nós dobramos as vagas nas federais. Tínhamos 113 mil vagas de ingresso. Os editais dos vestibulares 2009 das federais dão conta de 227 mil vagas. Dobramos as vagas, fora o ProUni.
Haddad – Queremos encaminhar uma emenda constitucional propondo matrícula obrigatória dos 4 aos 17 anos. Já tivemos um avanço importante: 70% das crianças entre 4 e 5 anos estão na pré-escola, mas nós podemos atingir a universalização em cinco ou seis anos.
Haddad – Nós criamos metas a cada dois anos, para que a sociedade possa acompanhar se a gestão está no caminho certo. E assim, até 2021, o Brasil terá superado Israel. Hoje Israel está em 44º lugar e nós em 51º. Se o País conseguir cumprir as metas previstas no PDE – o que exigirá um esforço enorme da Nação -, estaremos no patamar médio dos países ricos, superando a Itália e Israel, por exemplo.
Haddad – Os pais dessas crianças não tiveram acesso à educação, então o parâmetro deles é a sua condição anterior. A educação, de 20 anos para cá, mudou muito, para melhor. Eu tenho 45 anos. Quando terminei o ensino médio, com 18 anos, só 3% dos brasileiros tinham concluído o ensino médio com essa idade. Hoje, são 32%. Só com o ProUni, 400 mil jovens de baixíssima renda estão concluindo sua universidade. O governador José Serra diz que quando foi presidente da UNE, nos anos 60, havia no Brasil 120 mil universitários. Hoje, temos 6,2 milhões.
Haddad – Eu não penso nisso. Sou professor e vou voltar a ser professor em algum momento.
Haddad – Eu não aconselharia o presidente a fazer isso (risos).
