17/11/2004 - 10:00
Um livro sobre a exclusão social no Brasil e outro com a biografia de Juscelino Kubitschek pousavam na mesa do comitê de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva na véspera da eleição presidencial de 2002. Era o reflexo das prioridades de Lula antes de assumir o Planalto: combater a miséria e impulsionar o desenvolvimento do País com a mesma intensidade de seu maior ídolo na política nacional, que teve como slogan fazer “50 anos em 5”. Lula deixou de ser peão há 29 anos, quando trocou o torno das fábricas para mergulhar na militância sindical e dali migrar para a política. Agora, na metade de seu mandato – consumido pelo esforço de manter a economia estável –, chegou o momento de Lula reencarnar o espírito operário para finalmente construir o seu governo e dar a ele um rosto próprio. O presidente tem muito trabalho, mas pouco tempo pela frente: um ano e meio até o inicio da campanha de 2006.
Fernando Henrique teve oito anos à sombra do sucesso do Plano Real. Em 2002, o slogan de Lula fez sucesso: “Agora é Lula.-” Isso porque o povo queria mudança. Assumiu com a promessa de combater a miséria e deu o pontapé inicial para transformar o Programa Fome Zero na sua grande marca. A imagem do projeto ruiu e Lula apostou em outro – o Bolsa-Família, de transferência de renda, que completou um ano em outubro, nas mãos do ministro Patrus Ananias. Mas o Bolsa-Família vem sendo alvejado por denúncias de irregularidades, combatidas pelo governo, que passou a apertar a fiscalização.
“Até agora, Lula teve que administrar a economia e mostrou habilidade ao encarnar o espírito do governo FHC. Chegou o momento de Lula mostrar o seu governo porque os parâmetros macroeconômicos são favoráveis. Manter a estabilidade e continuar na rota do crescimento são tarefas básicas. Para construir sua marca, Lula terá ainda que cumprir a promessa de combater a fome e gerar empregos de forma mais consistente, mesmo que não cumpra o número citado na campanha”, analisou o cientista político Valeriano Mendes Costa, da Universidade de Campinas (Unicamp). “Lula tem motivos para ser otimista, mas precisa de um esforço muito grande para conseguir cumprir essas tarefas. O ano de 2005 será o mais importante porque é quando ele poderá plantar as sementes para colher seus frutos em 2006”, completou Costa. O governo comemora em coro os números auspiciosos da economia. “O Brasil iniciou um novo ciclo. A retomada do crescimento nada tem a ver com vôo de galinha”, disse o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, depois de ouvir uma chuva de críticas de empresários e trabalhadores devido à alta taxa de juros (16,75%) e o peso excessivo da carga tributária (35,5% do PIB).
Greve política – “Governar é construir estradas” – era o slogan de Afonso Pena (1906-1909). É bem mais do que isso, é claro. Mas o lema mostra a importância da infra-estrutura para um país faminto de crescimento. Hoje, rodovias, ferrovias e portos estão subnutridos. Depois da eleição municipal, Lula começa a corrida contra o tempo, mas enfrenta uma greve parlamentar, que atrasa a aprovação de projetos vitais para impulsionar o desenvolvimento. Por isso, o governo voltou toda a sua atenção para o projeto das Parcerias Público-Privadas (PPPs), inspirado na experiência britânica de Tony Blair: investimentos de capital privado para suprir a carência financeira do Estado.
O projeto foi enviado há um ano ao Congresso, onde a oposição – liderada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) – exigiu modificações para dar seu voto favorável. Na quinta-feira 11 fechou-se um acordo preliminar. As PPPs garantirão investimentos da ordem de R$ 13,1 bilhões nos próximos anos e serão a espinha dorsal do sonhado crescimento sustentado. O governo já decidiu seus alvos: investimentos nas rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e energia elétrica. O atraso da aprovação das PPPs no Senado pode atrapalhar a entrada de bilhões de dólares reservados pela China para aplicar no Brasil (leia mais à pág. 30). O Orçamento da União de 2005 está mais enrolado na Câmara. O Ministério do Planejamento conseguiu reservar R$ 11,4 bilhões para investimentos no Orçamento de 2005 – podendo subir para R$ 15,8 bilhões, R$ 5 bilhões a mais do que o previsto para este ano. A prioridade também é, claro, a infra-estrutura. Foi batizado pelo ministro do Planejamento, Guido Mantega, de “orçamento do crescimento”. Na França, 2005 será o ano do Brasil, com uma megaexposição. Mas 2005 precisa ser também o ano do Brasil no Brasil.