24/08/2005 - 10:00
Ex-deputado federal e pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro pelo PT, Vladimir Palmeira defende o afastamento de toda a executiva do partido por conta do escândalo do mensalão. Para sustentar sua posição, recorre a uma parábola socialista que se passou em Cuba, nas hostes de Che Guevara: um guerrilheiro resolveu abandonar a luta e montou um grupo para assaltar as pessoas. Foi preso e a guerrilha o condenou à morte. “Che comentou que, se fosse um ano antes, ele não teria morrido, pois não conseguiriam prender o rapaz, tão fracos que eram. Um ano depois, seriam tão fortes que poderiam perdoá-lo. Naquele momento, no entanto, era impossível outra punição que não a pena de morte”, conta Vladimir. Esse raciocínio o leva a pedir que o PT puna os seus para mostrar que não há impunidade. Com seu nome inscrito na história por liderar em 1968 a Passeata dos Cem Mil, em que os estudantes cariocas demonstraram seu repúdio à ditadura, Vladimir observa de longe o envolvimento de velhos companheiros na trama do valerioduto.
Acha precipitados os ataques a seu contemporâneo de movimento estudantil José Dirceu. Não o absolve, mas avalia que faltam elementos para incriminá-lo. “Até agora não acho que haja alguma prova contra o José Dirceu. O tesoureiro era Delúbio.” O benefício da dúvida é a prova de que não guarda ressentimentos políticos, como todo bom militante. Dirceu foi o articulador da intervenção do PT nacional no diretório do Rio em 1998, quando Vladimir teve que retirar sua candidatura para abrir caminho ao apoio do partido a Anthony Garotinho, que acabou eleito. Aos 60 anos, ele admite que a candidatura atual, lançada antes da crise, pode não vingar, já que o PT perde parlamentares e ficou sem algumas de suas mais importantes bandeiras: a luta contra a corrupção e a defesa de um novo modelo econômico. Nesta entrevista, Vladimir lamenta o desgaste da legenda e critica a opção do partido por um modelo tecnocrático de governo executado em Santo André em detrimento do modelo democrático de Porto Alegre. Também desanca a política econômica. Ao rigor com que trata sua legenda, agrega uma divergência quanto à atuação da CPI. Acha que as punições vão atingir apenas uma pequena parte dos que fizeram uso de caixa 2 para chegar ao Congresso. “Deviam ser mais ponderados na acusação. Quando também se é criminoso, deveria pelo menos haver certo pudor”, reclama.
Essa imagem decaiu muito. O PT vai ser um partido a mais. Antes era uma legenda diferente, freqüentemente citada como o único partido de verdade. Agora é comum. Não só pela questão moral. O PT tornou-se um partido igual aos outros pelo tipo de governo. Sempre me preocupei com o fato de o PT abandonar o movimento de massas e tornar-se demasiadamente institucional. Num dado momento, a representação das pessoas comuns começou a cair e, nos anos 90, pesquisas mostraram que mais de 70% dos delegados do partido tinham diploma universitário, mais de 70% eram assessores. Ou eram funcionários do partido ou funcionários dos sindicatos. À medida que seu quadro parlamentar encorpava, a legenda se restringia a isso. Além disso, houve uma divisão na base: os que queriam o modelo democrático e os que optavam pelo meramente administrativo. Porto Alegre era um exemplo de politização da sociedade e Santo André – naquela época não se sabia das coisas – era bem administrada, mas sem participação popular. Um tecnocrático e outro político. O PT optou pelo modelo tecnocrático. Se institucionalizou a tal ponto que assumiu as taras dos partidos comuns. A linha de Santo André foi generalizada, também do ponto de vista moral.
Acredito piamente que Genoino assinou o empréstimo sem saber. Porque, todos nós, uma hora ou outra, já fizemos isso no PT. Às vezes um assessor traz e você assina. Mas acho que Genoino deveria ter saído porque tem responsabilidade política com a dívida.
Saiu porque pegaram a história do cearense ligado ao irmão dele. O PT está o tempo inteiro indo atrás dos fatos. O comportamento do nosso partido é muito ruim. No caso da CPI, por exemplo. Eu admito que fossem contra a comissão por questão somente política, porque dizem que CPI é sempre contra o governo. Mas acho que, dada a postura anterior do PT, o partido teria a obrigação de apoiar qualquer CPI, mesmo que arriscasse o prestígio do próprio governo. Porque o PT sempre teve uma posição muito intransigente. Esse foi o primeiro erro.
Só apurando. Até agora não acho que haja alguma prova contra o José Dirceu. O tesoureiro era Delúbio. O que se vê aí é que ele fez, no mínimo, ações absolutamente ilegais. E nem anjo acreditaria nessa desculpa dos empréstimos. É até possível que ele tenha agido sozinho, mas a executiva é responsável.
Não posso negar que seja possível. Mas, se você me perguntar se isso é lógico, vou responder que lógico não é. Mas, se alguém for condenar somente por raciocínio lógico, teríamos que condenar 95% dos deputados, porque receberam caixa 2. Toda acusação ao Dirceu é lógica. Eu acho que toda a executiva do PT deveria ter sido afastada. Quem estava ali naquele caso, trabalhando no dia-a-dia, vendo uma situação financeira complicada, tem uma responsabilidade política.
Politicamente, ele também é responsável. O partido todo é. Não suporto esse negócio de cada um empurrar para o outro. Mesmo nós da minoria temos responsabilidade política. Então, seguramente, Lula também tem. Agora, se a pergunta é se ele tem ligação com atos ilegais, é difícil saber. Acho, a princípio, que ele não teria nenhuma obrigação de saber desse esquema.
Depende. Tem chefe de Gabinete Civil que não manda nada e há outros que mandam muito. O Dirceu certamente mandava muito. Mas não era quem mandava no governo, como dizem. Lula é um homem dono de sua autoridade. Depois dele, quem manda no governo é o Palocci. Não há dúvida. O Dirceu fazia o planejamento da indústria a longo prazo, mas quem liberava os recursos era e é o Palocci, muito querido da imprensa. Enquanto atacam agudamente o Dirceu, nem tocam na responsabilidade política do Palocci. O IRB pertence a que Ministério? A Casa da Moeda pertence a que Ministério?
Não é um governo de reformas e tem uma política monetária que é uma maluquice. Mas não confundo a política monetária com a política econômica, que é boa. O superávit primário está garantido e isso é coisa difícil de conseguir num país como o Brasil. Fernando Henrique governou oito anos, nunca a arrecadação brasileira cresceu tanto e o déficit continuou crescendo, as despesas aumentavam. O esforço de ajuste fiscal que se fez foi até exagerado, mas o governo Lula redimensionou o Estado brasileiro. Há uma política de exportação boa. Nossos dois ministros capitalistas são bons. Mas a política monetária é incompreensível, é uma questão de fanáticos. Essa taxa de juros não poderia estar assim, deveria ter baixado. O País não empobrece só o empresariado nacional. Está tirando qualquer possibilidade de o Estado investir a longo prazo. Chega a ser escandaloso que a gente faça uma política econômica correta, tenha um superávit primário desses e tire tudo com os juros.
O problema é que se comprou no início do governo a idéia de que não poderia haver crise, não poderia haver onda. Aparentemente deu certo. Apesar dessa taxa de juros absurda, a economia cresce e eles se vangloriam disso. Mas cresce muito menos do que poderia. É aquela história de que em time que está ganhando não se mexe. Então o presidente ficou com medo de mudar e não dar certo.
Acho que o governo avança na educação, na política externa, nas exportações. Na reforma agrária não. O próprio ministro diz que cortaram pela metade o orçamento para desapropriar terras. Acho um governo melhor que o de Fernando Henrique Cardoso. Não vejo onde o governo atual seja pior que o anterior.
Está dependendo. Fui lançado pela bancada estadual e depois pela bancada federal. Mas já tem deputado estadual saindo. Dos deputados federais, alguns disseram que podem sair. Como iria começar minha campanha? O combate à corrupção era uma bandeira do PT, agora essa posição se enfraqueceu. A política econômica também tira algumas bandeiras do partido. Vamos ver para onde vai o PT. Eu vou ficar no partido, quanto a isso não há margem para dúvida. Não sairia no meio de uma crise como essa.
Posso. Eu já estive para sair no ano passado. Mas sairia por diferenças políticas. Não saio agora, por causa de uma crise. Há muito tempo já se sabia que poderia haver problemas de natureza moral no partido. Vimos, por exemplo, a história do Banco do Brasil financiando festas do PT. Houve o problema de Santo André. Eu não faço campanha há 15 anos, mas até eu sabia que todos os partidos têm caixa 2. Então vejo certas críticas que francamente, gente que se ergue contra o caixa 2 como se nunca tivesse ouvido falar. Deviam ser mais ponderados na acusação. Quando também se é criminoso, deveria haver pelo menos certo pudor. Vejo na CPI certas pessoas dizendo: “É dinheiro ilegal.” Mas quem fala isso? Eu sou a favor de punição. Se 95% dos deputados têm caixa 2, você vai punir uma minoria. Mas tem que punir. Só assim se acaba com a impunidade.
Todos os deputados do PT que receberam grana de Marcos Valério devem imediatamente renunciar. E não podem concorrer na próxima eleição. Assim, o PT terá feito a sua parte antes mesmo de qualquer cassação. O partido teria que afastar também toda a executiva antiga. Outra coisa: foi anunciado que a assessora de Humberto Costa recebeu. Se recebeu, Humberto Costa devia sair. Todos os que receberam e não eram deputados têm que sair imediatamente de qualquer cargo de direção do partido, enquanto vai ser investigado pela comissão de ética.
Besteira. Politicamente, as elites estão adorando o Lula. Culturalmente elas não gostam, as elites preferem Fernando Henrique, um cara educado, que fala dez línguas, ganha título na Sorbonne, a um cara como o Lula. Mas a crise não provém daí. Quem ia querer criar uma crise nacional para tirar um governo que, afinal de contas, está com uma política monetária terrivelmente conservadora?
Sou contra. Isso é um imposto sindical para partidos políticos. Esse sistema permitiria que uma grande margem de corruptos se elegesse. Porque na verdade o cara vai pegar o dinheiro público e o dinheiro privado. Além disso, não é verdade que o financiamento público daria oportunidade ao candidato com menos recursos. Isso se resolve com voto de lista, que é a saída para quem quer um voto de partido. Deveriam também acabar com o fundo partidário. O partido que vá se virar para sobreviver. Acho que partido não tem que receber dinheiro público.
Não é verdade. Se a corrupção está nesse nível que se imagina, calcule que força terão esses deputados para trocar o governo na hora que quiserem se o Executivo não ceder aos seus instintos predatórios. Veja como são as emendas do Orçamento, os escândalos dos anões… Se você junta o Poder Legislativo ao Poder Executivo, isso pode, apesar das boas intenções de alguns, piorar. É possível governar no presidencialismo em minoria. Acontece isso nos Estados Unidos, acontece no Brasil. O PT governou Porto Alegre sem maioria.