Apesar de enigmática, a mensagem transmitida à exaustão pela rádio de Kigali, capital de Ruanda, era aterrorizante. “É chegada a hora de cortar as árvores altas”, dizia o locutor. Descobriu-se, mais tarde, que aquela era a senha para que a milícia Interahamwe, formada por hutus, a etnia majoritária no país, começasse a eliminação física dos tutsis, etnia minoritária favorecida pelos belgas, povo que colonizou o país entre 1918 e 1962. A matança ocorreu em 1994 sob o olhar indiferente do mundo. Em menos de três meses, um milhão de tutsis e hutus considerados traidores foram dilacerados por facões comprados da Rússia. Quase dez anos depois, o diretor e roteirista irlandês Terry George, de Em nome do pai, recebeu do roteirista Keir Pearson a história – verídica – do gerente de Hotel Milles Collines, em Kingali, que conseguiu livrar 1.200 pessoas da morte certa. Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, África do Sul/Itália/ Reino Unido, 2004), com estréia nacional na sexta-feira 19, mostra como Paul Rusesabagina (Don Cheadle), o tal gerente, valendo-se de seu talento de relações-públicas, salvou a mulher, Tatiana (Sophie Okonedo), filhos, parentes e todas as pessoas que se refugiaram em seu hotel.

Em entrevista a ISTOÉ, George declarou que o cinema sempre o atraiu pela possibilidade de tirar de uma história real algo mais complexo, que atinja todo tipo de pessoa. Depois de focalizar a Irlanda em vários filmes, o cineasta voltou-se para a África, sempre vista com preconceito por Hollywood. “Eles só filmam o continente se tiver um elefante, um cheetah (guepardo) e dois brancos bêbados”, ironiza. O roteiro de Pearson caiu-lhe nas mãos quando pesquisava sobre a guerra civil na Libéria, onde muitas crianças foram mutiladas. A história de Rusesabagina o fascinou. O diretor o encontrou trabalhando como motorista de táxi em Bruxelas, Bélgica, e o levou para Kingali em 2003, para onde não tinha voltado desde a fuga. Com orgulho, testemunhou o ex-gerente ser aplaudido no aeroporto.

Simpatia – Tudo muito digno. Mas, na prática, o desinteresse do Ocidente permanecia igual. George teve de apelar para investimento externo, pois os americanos só poriam dinheiro no projeto se pudessem contar com Denzel Washington, Will Smith ou Wesley Snipes como protagonistas. Cheadle e o resto do elenco, que inclui Nick Nolte, Joaquin Phoenix e o francês Jean Reno (não creditado), trabalharam por pura simpatia, sem saber qual seria o salário – exceto que era baixo. George confidenciou que a equipe e o elenco filmavam há quatro dias, sem imaginar que estavam descobertos, quando o dinheiro chegou.

O cineasta tem suas razões para criticar Hollywood. Seu roteiro para A guerra de Hart, por exemplo, foi modificado quando Edward Norton foi trocado por Colin Farrell e desfigurado de vez com a entrada de Bruce Willis. Depois de Hotel Ruanda, indicado ao Oscar, Terry George pretende realizar dois projetos, também estrelados por Don Cheadle. American gangs, sobre o tráfico de drogas no Harlem dos anos 1960, e outro sobre o Al-Qaeda. Histórias reais e incrivelmente complexas.