10/09/2008 - 10:00
Normalmente muito movimentada, a rua Itatitara, no bairro carioca de Campo Grande, está silenciosa nos últimos dias. Desde que parte da família mais famosa do lugar se ausentou, diminuiu bastante o entra-e-sai de carros e pessoas no condomínio localizado no número 93. Ali mora o clã dos Guimarães, atualmente desfalcado de quatro dos seus principais integrantes — três estão na cadeia e um está foragido. Todos são acusados de comandar a Liga da Justiça, milícia local cujo símbolo é um morcego, e intimidar eleitores a votar sob ameaça. Encontram-se trancafiados em Bangu 8, a prisão vip do Rio de Janeiro, o deputado estadual Natalino Guimarães e seu irmão, o vereador Jerônimo Guimarães, conhecido como Jerominho. A última da família a ser presa foi a candidata a vereadora Carminha, filha de Jerominho, capturada pela Polícia Federal na sexta-feira 29 e encaminhada para o presídio federal de Catanduvas (PR). O irmão dela, Luciano, apontado como autor de vários homicídios, está foragido. “Chama a atenção essa forma de atuação criminosa em família”, comenta o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que preside a CPI das Milícias, em curso na Assembléia Legislativa. “É uma tradução local da máfia italiana.”
Os laços de parentesco sempre foram uma referência importante na ação criminosa da família Guimarães. Ao estilo mafioso, o grupo trabalhava com a lógica de que entre gente do mesmo sangue a traição é um fato raro. “Para os criminosos, não é fácil achar alguém em quem depositar confiança total. Assim, eles escolheram os parentes”, analisa o delegado Marcus Neves, titular da 35ª Delegacia Policial, responsável pela investigação que desmantelou a quadrilha. Por esse motivo, mesmo sem estar entre os cabeças do bando, a estudante de odontologia Carminha foi escolhida por eles para ser a candidata a vereadora nas eleições deste ano. Como já acontecera nas campanhas do deputado Natalino e do vereador Jerominho, ela contaria para se eleger com a força extra da pressão exercida pelos milicianos sobre os eleitores da região. Entre os “argumentos” desses cabos eleitorais, está até mesmo a ameaça de morte para quem não vota na candidata. “Carminha era um mero fantoche nas mãos do pai, do tio e do irmão”, acredita o delegado. A Polícia Federal pediu à Justiça a transferência da candidata para a prisão de segurança máxima de Catanduvas sob a alegação de que ela e seu grupo podem ameaçar testemunhas e continuar a pressionar eleitores. Nos últimos meses, a polícia registrou várias queixas de pessoas que foram espancadas por se recusarem a exibir propaganda de Carminha em suas casas. Apesar de presa, a candidata apoiada pela milícia pode ser eleita se conseguir o número de votos suficiente.
MÁSCARA Na Assembléia, o deputado Natalino fazia o estilo sorridente e brincalhão. Sua atuação no plenário foi apagada
O capo da quadrilha é Natalino. Ex-policial e deputado estadual, foi ele quem, segundo a polícia, criou há oito anos a Liga da Justiça. Formado por policiais, bombeiros e agentes penitenciários, o grupo agia no início seguindo o figurino típico dos milicianos, obrigando comerciantes e moradores a pagar por supostos serviços de segurança. Em troca, evitava a ocorrência de assaltos e o tráfico de drogas em sua área de atuação. Além de Natalino, Jerominho e Luciano atuavam na milícia. “As investigações mostram que desde 2000 o grupo praticou 105 homicídios”, afirma o delegado. Não demorou muito tempo para que esse poder paralelo passasse a ser usado como alavanca eleitoral. Foi assim que Natalino e Jerominho se elegeram. Na Assembléia Legislativa, Natalino fazia o estilo sorridente e brincalhão. Sua atuação no plenário foi apagada, a não ser pela polêmica proposta de criar uma “guarda comunitária armada”, vista por muitos como uma tentativa de oficializar as milícias. Como resultado da investigação policial contra a atuação dos paramilitares, ele foi preso em flagrante em meados de julho, junto com outros integrantes da quadrilha. Com eles, foi apreendido um arsenal que incluía um fuzil AR-15 e duas escopetas. Seu irmão, Jerominho, já estava preso desde dezembro.
Atualmente, a zona oeste é um barril de pólvora, onde coexistem vários tipos de criminosos, como bicheiros, traficantes, policiais corruptos e milicianos. “Essa é uma área de tensão permanente”, admite Marcus Neves. O delegado acredita que com a prisão dos principais integrantes da família Guimarães e de 40 policiais ligados a ela, a Liga da Justiça está praticamente desmantelada. Mas todo cuidado é pouco. Um dos mais perigosos membros do clã, o ex-policial Luciano, ainda está à solta. “É preciso ação enérgica para garantir a liberdade do voto”, pede o deputado Marcelo Freixo.
Nesse sentido, devem chegar já na próxima semana ao Rio de Janeiro as tropas do Exército que atuarão durante as eleições para garantir a segurança de eleitores e candidatos em 17 localidades apontadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro como problemáticas. Serão entre 450 e 900 soldados. Segundo o ministro da Defesa, Nelson Jobim, o modelo adotado pelos militares será a mobilidade das tropas. “Se precisássemos ter uma presença constante nas 17 localidades, necessitaríamos de 30 mil homens, o que é inviável”, disse. O TSE deverá decidir sobre as regras de engajamento, o que em linguagem militar significa definir o que os soldados podem ou não fazer diante das circunstâncias.