Desde criança os índios da tribo dos cuicuros ouviam que sob toda aquela floresta existira, há muito tempo, uma grande civilização. Por isso, agora já adultos, nã o se surpreenderam quando foram procurados por um grupo de cientistas americanos e brasileiros interessados em abrir a mata fechada para encontrar vestígios dessa cidade perdida. A selva que foi aberta é a da região do Alto Xingu, em Mato Grosso, atualmente um complexo parque indígena com 14 tribos nele espalhadas. “Os habitantes da aldeia sempre contaram histórias de seus ancestrais que moraram ali. Até hoje se fala que muita gente vivia nessa região, disse à ISTOÉ Mutuá Mehinaku, índio cuicuro que se prepara para defender título de mestre em antropologia. Os pesquisadores procuraram os próprios índios para orientá-los nas buscas e, na semana passada, tanto o Brasil quanto o restante do mundo ficaram sabendo que a história da tal civilização antiga que habitara o Alto Xingu não é lenda: ela de fato existiu, conforme relato da conceituada revista científica Science. Entre os remotos anos de 1200 e 1600 o local abrigou uma sociedade bem organizada para a época e que foi engolida pela floresta.

Diversos índios ajudaram nas escavações porque, na verdade, eles já conheciam aquele lugar. Tinham a certeza de que era o local em que viveram seus parentes, diz Mutuá. Foram descobertas duas grandes vilas muradas que podem ter abrigado até 100 mil pessoas. A principal diferença dessa cidade indígena agora localizada em relação a outras cujos vestígios não se comprovam cientificamente é o convívio do povoado com a floresta. Os índios não se aglomeravam e intercalavam suas casas com bolsões de mata, pequenas lavouras de mandioca e plantação de floresta manejada. Também criavam peixes e tartarugas. As vilas fortificadas se organizavam ao redor de uma grande praça, cruzada por ruas, e eram ligadas umas às outras por picadas feitas na mata. As vilas eram planejadas, diz Michael Heckenberger, pesquisador da Universidade da Flórida e um dos autores do estudo. As evidências encontradas apontam que a trágica derrocada desses antigos povos coincide com a chegada dos europeus à América e comprovam que parte da floresta fechada existente no Xingu não é virgem, como se pensava, mas, isso sim, composta por vegetação secundária que cresceu após o fim da antiga sociedade. Essa descoberta pode dar lições para atuais práticas de sustentabilidade, sobretudo porque a região de mata fechada já foi, no passado, um campo agrícola. Os pesquisadores acreditam que os colonizadores trouxeram doenças (varíola e peste bubônica) que exterminaram a população indígena. Tribos inteiras foram dizimadas. Os cuicuros são alguns dos poucos descendentes diretos que sobreviveram e, na mais legítima tradição cultural dos índios, foram contando sobre os ancestrais para seus filhos, para que eles contassem para os netos, que por sua vez transmitiram para os bisnetos e assim sucessivamente até se chegar aos dias atuais.