01/12/2004 - 10:00
O infarto que matou Celso Furtado, sábado 20, aos 84 anos, no Rio de Janeiro, fez com que o Brasil perdesse seu maior economista. A qualificação é de Theotonio dos Santos, professor de economia da Universidade Federal Fluminense e responsável por cátedra na Unesco. Santos, 68 anos, coordenou em 2003 a candidatura de Furtado ao Nobel de Economia e este ano faria nova tentativa. “Falei com ele dois dias antes de sua morte. Parecia muito entusiasmado”, conta. Os dois participaram nos anos 60 dos debates que envolviam personagens no exílio no Chile, como Fernando Henrique Cardoso, Maria da Conceição Tavares e Darcy Ribeiro. Santos é o único brasileiro, além de Furtado, na relação dos 250 maiores economistas da humanidade feita pela Universidade de Málaga. Autor do livro Teoria da dependência, concepção da qual Furtado era o principal ideólogo, ele denuncia que essa corrente foi excluída das universidades.
ISTOÉ – Qual é o ponto mais atual do pensamento de Celso Furtado?
Theotonio dos Santos – A defesa do desenvolvimento. Estamos há 20 anos esperando o mercado fazer o crescimento, abandonamos o Estado e comprometemos os recursos públicos com o setor financeiro, que não investe em produção. Celso foi opositor sistemático dessa concepção e mostrou as causas do subdesenvolvimento da nossa economia. Seu livro sobre a formação econômica do Brasil é uma jóia de análise histórica e teórica.
ISTOÉ – PT e PSDB, que lamentaram sua morte, seguem suas idéias?
Santos – Alas do PT estiveram sob a influência de seu pensamento, mas a
política econômica do governo está contra suas idéias. A política exterior tem a influência de seu pensamento crítico. No PSDB, José Serra mantém certas referências. Ele se opôs ao aumento dos juros, saiu do Planejamento por
isso. Seu grupo resiste a assimilar essa visão recessionista que domina o pensamento econômico liberal no Brasil.
ISTOÉ – Essas idéias ainda influenciam a universidade brasileira?
Santos – Há um preconceito acadêmico contra a teoria da dependência. O pensamento econômico latino-americano foi excluído da academia. Ele continuou sendo lido pelo peso de sua obra na questão brasileira, mas não no mecanismo global da dependência. É um fenômeno estranho. A maioria que defende políticas neoliberais não mantém cinco minutos de discussão com outras correntes porque não tem a mínima idéia do que sejam.
ISTOÉ – Isso põe em risco a perpetuação das idéias de Furtado?
Santos – O prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz diz que as organizações internacionais estão dominadas por economistas de terceiro nível. Os brasileiros são discípulos dessa gente. Não dá. Temos um pensamento próprio e Celso era uma de suas expressões. Deixar a Universidade na mão dessa gente que não lê mais do que dois ou três manuais americanos é dramático.