01/12/2004 - 10:00
A queda do dólar acendeu a luz amarela dentro do governo. O preço da moeda americana, que ameaça se consolidar no patamar de R$ 2,75, é baixo demais e, na avaliação do próprio governo, no médio prazo, pode prejudicar as exportações brasileiras. Mesmo negando uma intervenção oficial no mercado, durante a semana passada o governo tentou, em uma operação combinada, fazer o dólar ganhar fôlego. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não costuma descer a detalhes técnicos sobre economia, afirmou que a faixa entre R$ 2,90 e R$ 3,10 seria a ideal para as vendas externas do País. O Banco Central (BC) reforçou a estratégia e anunciou que o Tesouro Nacional estará comprando US$ 3 bilhões diretamente do mercado nos próximos meses. Os dólares servirão para pagar parcelas da dívida externa. O objetivo era claro: fazer a moeda americana subir. A estratégia, porém, fracassou. No final da semana, a cotação continuava enterrada no mesmo patamar e, pior, com tendência de recuar ainda mais.
O dólar baixo ajuda quem gosta de ter produtos importados na ceia de Natal, mas tira o sono dos exportadores brasileiros. Com a moeda americana desvalorizada, eles recebem menos reais por suas vendas e perdem mercado lá fora. Levando-se em conta um valor médio de R$ 3,50 no início do governo Lula, a queda do dólar já supera os 21%. De julho até a semana passada, a diferença chega a 12%. Ou seja, na quinta-feira 25, o dólar havia registrado uma queda de R$ 3,145 para R$ 2,745. Não há dúvida de que o Banco Central está usando o câmbio como instrumento auxiliar para controlar a inflação. Na avaliação de Júlio Cézar de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o dólar baixo representa um “golpe na galinha dos ovos de ouro” (as exportações), que vem alavancando o crescimento da economia e reduzindo a dependência brasileira de empréstimos externos. Mas os efeitos não se resumem a uma ameaça futura: “Hoje, são 15 mil exportadores atuando e o câmbio não está atraindo novos empresários. É preciso que sejam 30 mil”, adverte o deputado Delfim Netto (PP-SP), um dos interlocutores de Lula em questões econômicas. “Se a política de exportações é a única que está dando certo, por que ameaçá-la?”, questiona Almeida.
Apesar dos esforços do governo, o câmbio não se mexeu porque, para os bancos, não é novidade que o Tesouro esteja comprando dólares. Assim, essas intervenções já estariam contabilizadas no preço. Surpresa seria se o BC voltasse a comprar a moeda, como fez no início do ano. Desistiu depois de levar pancadas do mercado, que o acusou de interferir nas cotações. Além disso, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom), confirmando a perspectiva de continuidade no aumento dos juros, não ajudou nada. E o BC ainda aproveitou para aplicar sua costumeira dose de terrorismo: se a situação piorar, o arrocho pode aumentar mais. Para analistas financeiros, a ata do Copom foi até positiva, porque reconhece que a economia começa a desacelerar. Mas a expectativa dos bancos é de que, no mínimo, mais uma alta de 0,5% virá em dezembro, colocando os juros em 17,75% ao ano, a mais elevada desde outubro do ano passado. Mas o aperto pode ser maior. “Trabalhamos com mais dois aumentos de 0,5% cada um”, diz o economista Alexandre Povoa, da Modal Asset, consultoria de Brasília. “O BC está sendo austero, não será complacente com desvios de meta da inflação”, afirma Eduardo Bergher, da consultoria Proventus Invest.
Já para os empresários, as previsões do mercado aproximam a gestão monetária ministrada pelo BC do “pesadelo” descrito pelo ex-presidente do BNDES Carlos Lessa. “Essa ata é deprimente”, diz Almeida, do Iedi. “O BC exagera na dose”, insiste. O raciocínio é de que com esse cenário de dólar em queda e juros em alta não há empresário que se aventure em fazer investimentos em ampliação de fábrica e produção. “Se o Copom deixasse a economia crescer, resolveria os problemas do País”, opina Milton Luiz Milioni, da Apimec, associação que reúne profissionais de investimento do mercado de capitais. O erro, apontam, está na meta de inflação que o BC insiste em perseguir, de 5,1% em 2005. Rigorosa demais, estaria impondo um custo desnecessário aos brasileiros e comprometendo a projeção de crescimento de 3,5% do PIB para o ano que vem. Taxa que, registre-se, não chega a ser grande coisa, considerando que para barrar o aumento do desemprego são necessários no mínimo 4%.
A semana terminou com outra má notícia: o aumento da gasolina, de 2,5% para o consumidor final. O mercado, porém, viu um lado bom no reajuste: vindo agora, não deixará defasagens a serem corrigidas em 2005, o que melhoraria as projeções de inflação. Quem sabe, assim, os juros param de subir. É torcer para que o BC embarque nessa canoa.