O governo FHC inaugurou – e o governo Lula manteve – um discurso elegante sobre a relação com o Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo o qual o Brasil construiria as negociações a partir de medidas engendradas pelo próprio País, em um respeitável “acordo de cavalheiros”. Mas um documento interno e confidencial do Fundo que descreve o acordo fechado nos últimos meses da administração de FHC, em 29 de agosto de 2002, pouco antes das eleições presidenciais, mostra que, entre quatro paredes, o tom em relação aos países à beira de uma crise de pagamentos externos é outro. Muito diferente do adotado nas cartas de intenções e memorandos que os países assinam para conseguir os empréstimos. O documento, obtido e divulgado pela Rede Brasil, uma rede de 64 ONGs dedicadas a monitorar os acordos com instituições como o FMI e o Banco Mundial, é uma comunicação sobre o acordo brasileiro para o conselho de diretores executivos que toca o dia-a-dia do Fundo.

Após uma referência aos memorandos com as regras e políticas que o governo brasileiro se dispôs a cumprir e aos valores a serem desembolsados (US$ 30 bilhões), o documento vai ao que realmente interessa ao Fundo: as situações em que os desembolsos serão suspensos e em que o País tem de prestar contas do que anda fazendo da política econômica. Tudo o que as autoridades brasileiras costumam desdenhar, a pretexto de que são normas de praxe, é tão precioso para o Fundo que está claramente explicitado. Além de metas econômicas, como o aperto fiscal, seguem-se nove situações que brecam a liberação do empréstimo. Por exemplo, mudanças na política cambial. O documento também lembra que o Brasil terá que se manter em “estreitas consultas” com o Fundo, e ainda providenciar informações sobre a execução do acordo, sempre que o diretor-geral do Fundo julgar “desejável”. Além disso, “de tempos em tempos”, o Brasil terá dar satisfações de sua política para as contas externas. Para o economista Marcos Faro, secretário executivo da Rede Brasil, há falta de transparência na negociação dos acordos: “O processo de negociação está baseado em uma legislação da ditadura que coloca tudo nas mãos do ministro da Fazenda, sem participação do Congresso.”