Difícil não simpatizar com o casal de lésbicas do folhetim global Senhora do destino. Ainda mais pelo fato de o romance das personagens vividas por Bárbara Borges e Mylla Christie vir sublinhado por uma canção a que poucos escapam – a suave balada What am I to you?, carro-chefe, junto com Sunrise, do multiplatinado terceiro álbum da cantora americana Norah Jones, Feels like home. Na quarta-feira 8 e na quinta-feira 9, a voz aveludada da cantora de 25 anos, que se apresenta pela primeira vez no País no Via Funchal, em São Paulo, vai fazer muita gente esquecer as tramas urdidas por Aguinaldo Silva. Na terça-feira 14, será a vez dos cariocas no palco do Ribalta. Em São Paulo, os ingressos mais baratos custam R$ 100 e estão esgotados há quase um mês, obrigando a programação de um show extra. Não é pouco para uma artista com curso superior de piano que descarta a histeria pop desnuda de companheiras de geração como Britney Spears, Shakira ou Beyoncé. Pelo que se vê no DVD Norah Jones and the Handsome Band: Live in 2004, gravado em Nashville em agosto, e com lançamento simultâneo à miniturnê da artista pelo País, o máximo a que Norah se permite são alguns tapinhas na perna para acompanhar alguma canção mais animada, de preferência country. E isso quando não se encontra ocupadíssima com os teclados de um sisudo piano Yamaha ou de uma pianola elétrica Wurlitzer. Famosa pela timidez, a filha do indiano Ravi Shankar – criada à distância da fama do citarista, que não viu por quase uma década – faz o gênero introspectiva. “Longe do piano, eu me sinto perdida, não sei o que fazer com minhas mãos”, afirmou numa entrevista.

Norah é tão avessa às solicitações do estrelato que, ao disparar a vender o seu segundo álbum, Come way with me, de 2002, se recusou a gravar um videoclipe luxuoso do hit Don’t know why para alavancar ainda mais a procura pelo disco. Foi até à sala de Bruce Lundvall, dono do selo de jazz Blue Note – que a contratara em 2001, quando tocava standards de jazz nos bares nova-iorquinos – e o emparedou: “Por que temos que fazer isso? Já não vendemos o suficiente?” De nada adiantou. Na entrega do Grammy de 2003, Norah faturou todas as indicações a que concorria, oito no total, e catapultou a venda do CD para 18 milhões de cópias. Lançado no início do ano, Feels like home segue o mesmo caminho – já está na casa dos oito milhões de discos vendidos. O show que Norah fará no Brasil estará centrado no repertório do CD, que ganhou uma edição especial de luxo, dupla, com três canções inéditas somadas às 13 anteriores, e um DVD com videoclipes e entrevistas. No documentário ela explica de onde vem a sua aura de diva de jazz, título que carrega com certo desconforto. “Me envolvi com o jazz ainda no colegial. Fiquei obcecada e durante sete anos era tudo o que ouvia. Foi o que aprendi a tocar – Miles Davis, John Coltrane, Keith Jarrett, Bill Evans”, conta. “Foi também quando descobri o que queria fazer: cantar como Sarah Vaughan, Dinah Washington e Billie Hollyday. E tocar piano como Bill Evans. Não sei fazer nada disso, acabei me tornando outra coisa.”

A “outra coisa” a que Norah se refere é uma eficiente mistura de folk, country, soul e blues, com algumas pitadas de jazz. Para os tradicionalistas, que acham seu canto um arremedo do verdadeiro lamento negro e torcem o nariz, por exemplo, para a sua belíssima apropriação do tema instrumental Melancholia, de Duke Ellington, ao qual ela acrescentou letras e batizou de Don’t miss you at all, Norah responde que “ o pessoal do country pensa a mesma coisa” em relação ao lado “branco” de sua música. “As pessoas que tocam comigo (entre elas o baixista Lee Alexander, seu namorado) têm também o mesmo espectro amplo de gostos”, afirma. Nascida no Brooklyn, mas criada em Dallas, no Texas, Norah cresceu ouvindo a boa música da discoteca de sua mãe, a dançarina e enfermeira Sue Jones. “Ela tem todos os discos de Ray Charles e foi generosa o suficiente para me presentear com alguns dos mais antigos”, lembra a cantora. Outra influência é Aretha Franklin, produzida, aliás, pelo mesmo Arif Mardin que assina a luxuosa sonoridade dos álbuns de Norah. Quando estava gravando o disco que levaria aquela coleção de Grammy, Mardin – sem saber da obsessão da garota pela estrela do soul – disse que ela tinha algo da jovem Aretha Franklin. Ao ouvir o elogio, Norah perdeu o controle. “Quase fiz xixi nas calças”, afirmou. Ela tem mesmo vocação para diva, mas só deixa transparecer os chiliques da fã apaixonada.