Nomeado em homenagem ao deus romano da guerra, Marte, o mês de março era visto na Roma antiga como um bom período para se iniciar uma batalha. O grupo francês PSA Peugeot Citroën parece ter guardado bem os ensinamentos do antigo império. A partir de março de 2005, a montadora, que tem como símbolo um leão, começa uma verdadeira guerra comercial para vender seus novos modelos em regiões consideradas prioritárias para o crescimento do grupo: a Europa central e oriental, a China e a América Latina. No Brasil, onde a companhia vem derrapando desde que começou a produzir, em 2001, o lançamento da versão perua do Peugeot 206 é a primeira cartada de uma estratégia para conquistar de vez o consumidor brasileiro.

Os franceses não estão para brincadeira. O lançamento do Peugeot 206 SW (Station Wagon), nome oficial do carro, consumiu investimentos de US$ 30 milhões. O dinheiro foi gasto principalmente na aquisição de robôs e na ampliação da fábrica de Porto Real, no Rio de Janeiro, que já atendia à produção do compacto Peugeot 206 e dos Citroën C3 e Picasso. Antes de chegar aos galpões franco-fluminenses, a perua só era produzida na unidade inglesa de Ryton. A festa de apresentação do quarto modelo produzido no País contou até com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recebeu a doação de dois SW (um vermelho e outro azul) para o programa Fome Zero. Em contrapartida, o presidente anunciou que o governo está estudando, juntamente com os Estados, um amplo programa de redução de impostos para a indústria automobilística. O pacote deve chegar já em 2005.

Os dólares investidos pelos franceses criaram 200 novos empregos e trouxeram mais esperança para a população da região de Porto Real. Um dos sortudos foi Alexandre da Cunha, 25 anos, que ficou com uma das vagas. Há quatro meses como titular do posto 28 D da segunda linha de guarnição de carroceria, Cunha recebe um salário de R$ 770. Juntando com o salário da mãe, dá para sustentar a casa onde mora com ela, o irmão mais novo, uma tia e duas primas. “Esse é o melhor salário que já ganhei na vida. Quero crescer aqui dentro e chegar à administração”, diz ele, que tem o curso técnico em contabilidade. Cunha conseguiu o trabalho após uma seleção feita com os alunos do Senai de Resende, vizinha de Porto Real.

Crescer também é a palavra de ordem do presidente mundial do grupo, Jean-Martin Folz. Para superar o déficit das operações na América do Sul (o valor do prejuízo é guardado a sete chaves), o francês anunciou a chegada do 206 com motor flex (que funciona com qualquer mistura de álcool e gasolina) no primeiro semestre de 2005 e novos modelos em um futuro próximo. Já no ano que vem, a companhia espera produzir 80 mil veículos em Porto Real (80% da capacidade). A perua compacta deve contribuir para o número com 15 mil unidades, sendo quatro mil para exportação (Argentina, onde o grupo já possui uma planta, Chile e México). Neste ano, a fábrica utilizou apenas 66% de sua capacidade de produção. Segundo o executivo, as maiores dificuldades da Peugeot Citroën no País são a formação de uma rede de fornecedores nacionais e as variações na taxa de câmbio – cerca de 30% dos componentes são importados. “Este ano, as operações continuarão deficitárias, mas o quadro é bem melhor do que em 2003. Esperamos melhorar ainda mais em 2005, mas não dá para afirmar que atingiremos o equilíbrio”, disse Folz.

A produção do motor 1.4 com oito válvulas, lançado em agosto, consumiu outros US$ 20 milhões e é mais uma aposta da empresa para deixar seus números no azul. O motor 1.4 será uma das opções do SW (a outra é o 1.6 de 16 válvulas, produzido na fábrica desde 2002) e deve gradualmente substituir o propulsor 1.0, comprado da Renault para os 206. A versão 1.0 do 206 representou 35% das vendas da marca neste ano, mas a margem de lucro dos carros populares é considerada muito pequena pelas montadoras. Além de equipar também os C3, o novo motor será exportado para a fábrica do grupo na Argentina, onde são feitos os Peugeot 206, 307 e Partner e o Citroën Berlingo.

A PSA Peugeot Citroën é a sexta maior empresa automobilística do mundo e a segunda na Europa. Seu lucro chegou a 1,9 bilhão de euros (US$ 2,47 bilhões) no ano passado. O Brasil recebeu US$ 725 milhões em investimentos desde 2001. Somando as marcas Peugeot e Citroën, a empresa tem 4,3% de participação no mercado brasileiro, atrás das pioneiras Fiat, Volks, GM e Ford. A meta de  vender 11 mil unidades do 206 SW no mercado nacional, logo no primeiro ano, é ousada. As concorrentes diretas do novo modelo, Palio Weekend  e Parati, já são conhecidas do público e venderam juntas quase 40 mil  unidades em 2003. Os números dos concorrentes parecem não ter assustado  Folz, que, apesar dos prejuízos, tem reafirmado acreditar no futuro do mercado  latino-americano. “Temos um compromisso forte com a América do Sul desde
1997. Não nos arrependemos dos investimentos que fizemos. Confiamos na juventude e no dinamismo deste País”, discursou Folz. Tudo indica que o leão afia suas garras para brigar no território brasileiro.