A imagem do zagueiro Serginho, do São Caetano, desmaiado no gramado do Morumbi, na partida contra o São Paulo, pelo Brasileirão, em 27 de outubro, chocou o País. Vítima de problemas cardíacos, o jogador, 30 anos, morreu logo depois no hospital. Na semana passada, descobriu-se que a cena foi para  alguns o final da crônica de uma morte anunciada. Na Justiça Desportiva, o episódio pode tirar pelo menos 24 pontos do clube no Brasileirão – o time, com 77 pontos, luta por uma vaga na Libertadores. No campo penal, o promotor do caso, Rogério Zagallo, sinalizou que irá acatar as conclusões do delegado Guaracy Filho e oferecer denúncia contra o presidente do São Caetano, Nairo Ferreira de Souza, e o médico do clube, o ortopedista Paulo Forte, por homicídio doloso eventual, em que os responsáveis sabem dos riscos, mas não dão importância.

O caso voltou a ferver na terça-feira 30, com uma nota assinada em conjunto pelo cardiologista Edimar Bocchi, que chefiou a avaliação cardíaca de Serginho e dos outros jogadores do clube em fevereiro, no InCor, e por Forte. Nela, os dois atribuem a morte a uma “fatalidade”, destacam que a causa apontada na necropsia, hipertrofia miocárdica, não foi detectada no InCor e que Serginho apresentou “eletrocardiograma compatível com coração de atleta”, doença que aumenta e engrossa o músculo cardíaco, comum em esportistas. “A doença que o matou foi desenvolvida depois. Assim, as discussões sobre o que detectamos perdem importância”, alega Bocchi. O InCor informou que Bocchi não fala em nome da instituição, mas em caráter pessoal.

No dia seguinte, o repórter André Kfouri, do canal de tevê ESPN Brasil, divulgou o conteúdo do prontuário de Bocchi sobre Serginho. Não há mesmo o termo hipertrofia miocárdica, mas “arritmia ventricular”. Ainda assim, a comparação do prontuário com a nota produz desconfianças, revela estranhas mudanças de opinião e atesta que o zagueiro jogava sem cobertura. Na primeira visita, em 11 de fevereiro, Bocchi escreve: “reforço da recomendação de não (o destaque é do médico) praticar esportes ao médico do clube (dr. Paulo), e ao jogador, que já foram informados no término do exame ergoespirométrico. O médico e o jogador foram informados do risco de morte súbita do jogador pela arritmia (o dr. Guilherme, fisiologista do exercício, já havia informado a ambos). O jogador e o médico deverão avisar a família dele, já que esta não compareceu. Dr. Paulo informou que (…) o afastamento do futebol dependerá do clube e do jogador”. No dia 20 de fevereiro, Bocchi reforça a censura e afirma exatamente o contrário do “eletrocardiograma compatível com coração de atleta” da nota do último dia 30: “Foi explicado para seu médico que não é coração de atleta, pois tem disfunção.”

No dia 26 de junho, pede novamente “marcação de reunião com a família do jogador”, esclarece que, no caso, “medicação não protege” e nem há “comprovação de que usar desfibrilador funcione”. “A melhor conduta é parar de jogar”, repete. Escreve ainda: “Riscos de morte súbita pela arritmia, miocardiopatia. Exames disponíveis para a família e o clube. Jogador manifestou vontade de continuar e assumir o risco”. No dia 11 de agosto, reclama: “Jogador não comparece, portanto não é nosso paciente. Continua em atividade física esportiva. Que tenha sorte, pois a chance de óbito existe.”

Bocchi confirmou tudo isso em seu depoimento. Acrescentou que, dias antes da morte, pediu a Forte que “providenciasse um documento do clube para confirmar que havia informado os dirigentes”. O ortopedista teria descartado a idéia, pois o documento “não daria nenhuma proteção ao clube”. Forte nega. “Em nenhum momento foi dito que Serginho estava proibido de continuar”, disse no depoimento. “Nairo não pode ser denunciado”, reage Luiz Fernando Pacheco, advogado do presidente do clube. “Isso só seria possível com a prova de um comunicado por escrito, e isso não houve.” A guerra está no início. É compreensível a tentativa de Serginho de prosseguir na profissão que o tirou da pobreza. Mas, se for verdadeira a versão de que a diretoria sabia de tudo, não há argumento que justifique a manutenção do jogador. As investigações deverão mostrar se Nairo e a família de Serginho sabiam. E revelar por que o outrora preocupado Bocchi mudou suas opiniões e diagnósticos de forma tão inesperada, e depois de tanto tempo.