Ricardo Carneiro Teixeira Pinto, natural de Ponte do Lima, cidade ao norte de Portugal, é o criador do grupo Secos&Molhados e faz questão de ressaltar que sempre foi o compositor, o pensador, o arranjador, o produtor, o diretor e, enfim, o dono da banda e da marca. Por isso, diz não entender por que as pessoas o cobram por usar o nome do grupo. “Os Secos&Molhados já existiam antes. Quiseram tirar a única coisa que era minha”, afirma João Ricardo, que era repórter de cultura da TV Globo, antes de seguir carreira na música. Avesso a entrevistas, ele falou a ISTOÉ, 30 anos depois, sobre a separação do grupo no auge do sucesso.

João demonstra mágoa e não poupa críticas ao ex-companheiro Ney Matogrosso, a quem se refere como analfabeto e “bunda falante”. Diz que o vocalista mentiu ao insinuar que ele e seu pai, João Apolinário, teriam se apropriado de recursos do grupo e garante nunca ter havido briga. “Ele saiu porque quis.” João Ricardo é hoje um chefe de família de 55 anos, pai de uma menina de três. Vive “modestamente” de direitos autorais e mora num apartamento nos Jardins, zona nobre de São Paulo. Nem de longe lembra o ousado guitarrista que provocava o público com maquiagens extravagantes, em 1973, ou com roupas cor-de-rosa, ao lançar seu primeiro disco solo, dois anos depois, após a ruptura. Os Secos&Molhados foram um dos maiores fenômenos musicais no Brasil e bateram todos os recordes de público e vendagens. João Ricardo, que seguiu com a banda, gravou três discos solos e sete co-mo Secos&Molhados. Em 2005, deve lançar novo trabalho:

ISTOÉ – Por que os Secos&Molhados se separaram?
João Ricardo –
Porque o Ney decidiu sair. A tendência das pessoas é ver apenas o sucesso daquele Secos&Molhados. Mas o grupo foi feito por mim antes. As músicas já existiam, não tinham sido gravadas. Mas passaram a achar que eu era um chato que queria me aproveitar do nome Secos&Molhados. Quiseram me tirar a única coisa que era minha. Em qualquer grupo, entram e saem pessoas, outras morrem. E tudo funciona. Ninguém fica cobrando. Agora, quando o Ney grava uma música é dos Secos&Molhados. E a música é do João Ricardo. Eu não roubei ninguém. E o Ney não sabe nada do disco dos Secos&Molhados. É um analfabeto completo.

ISTOÉ – Quantos discos os Secos&Molhados venderam?
João –
O primeiro vendeu mais de um milhão de cópias. O segundo, de 500 mil a um milhão. O Roberto Carlos era o campeão e vendia 400 mil cópias. Nós vendemos 300 mil em dois meses. E um disco com mais de 30 anos vender 25 mil cópias no segundo trimestre de 2004 é um absurdo.

ISTOÉ – Como ocorreu a separação?
João –
Quando convidei o Ney, ele disse que aceitava com a condição de que a qualquer momento que um quisesse parar aquele baile, pararíamos. Quando ele veio conversar, qualquer pessoa no meu lugar diria: “Puxa, não podemos
parar agora. Estamos ganhando rios de dinheiro, somos um sucesso fantástico.” Mas, no momento em que eu disse a ele que topava parar, percebi que
queria tanto quanto ele acabar com aquela porcaria. Aquilo já era a vaidade levada ao extremo, era narcisismo puro. Como estávamos com um disco novo, decidimos lançá-lo e ficar seis meses desaparecidos. Assim, nem a gravadora nem ninguém seriam prejudicados. O Ney acreditava, e tinha razão, que não era essencial. Eu prescindia dele. Me chamaram na época de ditador por causa disso. E tinham razão. Democracia é na casa deles, com os amiguinhos deles. Senão, aquele trabalho não teria saído daquele jeito.

ISTOÉ – Como começou toda a polêmica?
João –
Depois de uma gravação na TV Globo, no Fantástico, em agosto de 1974, uma rádio me informou sobre uma reportagem de jornal, na qual o Ney e o Gerson diziam que eu e meu pai éramos uns monstros. Insinuavam que os havíamos roubado, que eu era um ditador. Só os dois falaram. E o País inteiro me atacou, virulentamente, sem nada de concreto. Quatro dias depois da reportagem, eu dei uma entrevista coletiva. Mas ninguém queria saber o que tinha acontecido. Estava com meus advogados. As insinuações feitas pelos dois malandros foram respondidas tecnicamente. Eu falei que autorizava a abertura das contas dos Secos&Molhados, mas não poderia abri-las sozinho. O Ney e o Gerson teriam de autorizar também. Eles haviam insinuado que eu e meu pai teríamos tomado conta de tudo. Mas quem sugeriu a entrada do meu pai foram o Gerson e o Ney. Eles queriam montar uma empresa, com a qual teríamos o poder de contratar quem quiséssemos. Assinaríamos um contrato e os três ficariam amarrados. Mas seríamos os donos. Isso porque o imposto de renda diminui. O meu pai, João Apolinário (morreu em 1988), era crítico de teatro e foi chamado para isso. Mas o Ney, no Fantástico, no ano passado, num momento em que ele parece ter tido diarréia mental, falou: “Imagina que vieram dar um contrato para eu assinar e eu mandei eles enfiarem no c…”

ISTOÉ – Como eram divididos os lucros?
João –
Sempre foram exatamente iguais. Exceto, evidentemente, o que eu e o Gerson ganhávamos como autores. O Gerson fez a música do poema Rosa de Hiroshima. É um compositor de uma música só. Devia botar isso no epitáfio dele.

ISTOÉ – A questão financeira não podia
ser resolvida?
João –
O Ney chegou para mim e disse: “João, você ganha mais do que nós porque você é o autor das músicas. Mas eu sou a figura central, a imagem dos Secos&Molhados.” Dei razão a ele. E disse: “Dez por cento a mais de tudo pra você, tá certo?” Ou 10% ou 20%, não me lembro. Podíamos ter feito isso. Afinal, em todos os shows que fizemos quem era o principal vocalista? Ney Matogrosso. Era a figura mais chamativa. Então, eu escolho o cara e depois vou dizer que o cara era uma merda? Mas isso não quer dizer que ele era melhor do que os outros. Só que ele fez a coisa mais sórdida que um ser humano pode fazer. Se sentindo inferior e complexado, fez esse carão. A grande safadeza do Ney foi ter comprometido o trabalho que eu ia desenvolver. Foi um traidor.

ISTOÉ – Você tem contato com o Gerson?
João –
De vez em quando ele me liga, mas não dá para falar com ele. Devia
estar se tratando com um psiquiatra. Ele anda falando umas coisas que não
são só mentiras. O Gerson era de uma insignificância absoluta dentro dos Secos&Molhados. Ele é posto sempre de lado, coitado. Só subiu no cavalo na hora certa. O cara fala cada bobagem. Sabe aquela mentira para chamar a atenção? Diz até que eu bati nele, que eu odeio a Rosa de Hiroshima porque a música fazia sucesso. Está doente da cabeça.

ISTOÉ – E o Ney? O que você acha dele musicalmente?
João –
O Ney virar isso é tudo o que eu detesto num artista. Ele virou um burocrata. Um funcionário público, no pior sentido. Ele é o clichê da coisa ruim. A música é ruim. É um come-e-dorme. Artistas importantes da música brasileira fazem coisas ruins. Só que o Ney é todo ruim. Ele faz discos como eu vou ao banheiro. Nenhum de vocês reconhece uma música dele que não seja, na pior das hipóteses, dos Secos&Molhados ou quase um estereótipo qualquer. Se compararmos os Secos&Molhados de 30 anos atrás com ele agora, o Ney não é nada. É um arremedo. Qualquer disco dele é insuportável. É só para surdo-mudo, viado e velhinha de 60 anos. O Ney foi revolucionário nos Secos&Molhados. Tinha sustentação. Não era uma bunda falante.

ISTOÉ – Para o público, o Ney faz sucesso  e o João Ricardo não?
João –
Eu fiz o disco O teatro e um jornal disse que seria perfeito como disco solo do artista. Então, não era perfeito só porque é Secos&Molhados? E por quê? É ele quem decide isso? Foi dito lá: “Homem-banda tenta reeditar Secos&Molhados.” Reeditar como? Então, tem que cantar fino, rebolar e dar o c…? Mas não, eu toco guitarra, canto minhas músicas e ponho o nome da banda que criei. Fiquei 11 anos sem gravar. Fiz o disco independente e recebi pedidos do Brasil, dos Estados Unidos, do México, da Espanha e de Portugal. Vendi pela internet. Não quero o sucesso do Ney, que é uma ilusão. Ele fica aparecendo, mostrando a bunda.

ISTOÉ – Houve tentativas de juntar o grupo?
João –
O Gerson veio me procurar, disse que ele e o Moracy do Val (empresário) conversaram com o Ney e marcaram uma reunião para a volta dos Secos&Molhados. Isso foi em 1999. Mas eu jamais voltaria.