15/12/2004 - 10:00
Nos Jogos Olímpicos de Atenas, o Brasil terminou sua participação em 15º lugar. A delegação brasileira deixou as terras gregas com quatro medalhas de ouro, três de prata e três de bronze. Foi o segundo melhor desempenho do País na história dos Jogos. É consenso que a performance, até aceitável, poderia ser melhor. O esporte por aqui padece de quase tudo. Sem apoio e sem estrutura governamental, pode-se considerar um milagre o surgimento de uma Daiane dos Santos, a negra pobre que conquistou os pódios do mundo. Porém, esse quadro está prestes a mudar. Inúmeras ONGs estão assumindo a lacuna deixada pelo poder público na formação e capacitação de jovens promessas. É óbvio que a grande maioria jamais terá a honra de conquistar uma medalha de ouro. Mesmo não se tornando superatletas, estarão se tornando supercidadãos.
A batalha da inclusão social por meio do esporte é travada em várias frentes. A mais visível delas é a defendida por ex e atuais ídolos esportivos. Mas o fato de ser famoso não é requisito fundamental para o sucesso de uma empreitada. Mesmo sem estrelas, inúmeras ONGs desenvolvem trabalhos de reconhecida competência. O É Cesta, projeto da Estação da Arte, é uma delas. Com o apoio da Petrobras, oferece aulas de basquete e cidadania a cerca de 60 crianças carentes do entorno da Penha, zona leste de São Paulo. Para o comerciante e coordenador Walter José Vieira, ali a garotada assimila ensinamentos tão relevantes quanto saber se posicionar para um arremesso de três pontos. “Não queremos só tirá-los da rua. Nossa intenção é fazer com que se sintam valorizados.” A ação tem produzido resultados animadores. Seis atletas já foram encaminhados para clubes tradicionais. Ralph Casemiro da Silva, 16 anos, 1,94 m, tênis nº 46, joga nesse time. Atleta do Database São Caetano, o gigante precoce já vislumbra vôos mais altos. “Meu sonho é jogar nos Estados Unidos. Mas, enquanto isso não acontece, quero passar o que aprendi aqui para os mais novos”, diz Ralph.
Missão parecida tem o ex-pegador de bola e empresário Wilton Carvalho, o Batata, 46 anos. Ele está à frente de uma iniciativa inusitada. Com patrocínio da Bolsa de Valores de São Paulo, ele dá aulas de tênis à molecada carente da favela do Paraisópolis, zona sul da capital paulista. Ainda embalados pelo fenômeno Guga, mais de 800 jovens ouvem com atenção instruções passadas por Batata e seus instrutores. Ao contrário da maioria dos coleguinhas, Isaac Pereira dos Santos, 12 anos, não quer seguir os passos do tenista catarinense. O ídolo que vê no espelho é outro. “Quero ser profissional e jogar igual ao Sebastian Grosjean”, diz o garoto, referindo-se ao tenista francês. Os radicais também têm seu espaço no universo do esporte como ferramenta de inclusão social. O skate é a base de sustentação do Futuro sobre Rodas. O projeto, uma parceria da Confederação Brasileira de Skate, Associação Evangélica Brasileira e a marca Tracker, atende 140 crianças da região do Jabaquara, zona sul de São Paulo. O detalhe é o local onde acontecem as aulas: a hoje desativada Febem Imigrantes. A molecada realiza iradas manobras onde antes menores eram queimados e até degolados.
Para fugir dessa triste sina, milhões de jovens vêem o futebol como válvula de escape da miséria. Não é por acaso que a paixão nacional é também a campeã em número de iniciativas. Entre os vários projetos, um chama a atenção. O Bate-Bola, criado pela multinacional Cadbury Adams, fabricante de goma de mascar, nasceu da necessidade de solucionar um problema causado pelas crianças que vivem próximas à fábrica da empresa, em Guarulhos, Grande São Paulo. Para jogar futebol nos campos da Adams, os garotos das pobres cercanias viviam esburacando os muros para invadir a indústria. Como a bola era a causadora do transtorno, por que não utilizá-la como meio de integração entre empresa e comunidade? A garotada então passou a ser convidada para ter aulas de futebol nos campos que antes invadia. Hoje são quase mil crianças atendidas nas unidades de Guarulhos e Bauru. Todas matriculadas na escola.
Pressionado pela avalanche de solidariedade, o governo resolveu se mover. Lançou o Segundo Tempo, um programa dos ministérios do Esporte e Educação que visa facilitar o acesso à atividade esportiva aos alunos da rede pública de ensino. A intenção é que a garotada estude em um turno e permaneça o outro praticando algum esporte. Já não era sem tempo. Estudos recentes da Organização Mundial da Saúde mostram que para cada US$ 1 investido em esporte economizam-se US$ 3,2 em saúde. É a prova de que, além de uma questão de fomento físico e social, uma política esportiva pode trazer uma boa economia aos cofres públicos.