Em 2003, uma empresa da Baixada Fluminense resolveu transformar o lixo em fonte de energia. A Nova Gerar implantou a Central de Resíduos de Nova Iguaçu, aterro sanitário que canaliza o gás produzido, em vez de lançá-lo na atmosfera. Com o aumento do volume de resíduos, o projeto terá capacidade de gerar nove megawatts de energia, o suficiente para iluminar o município de Nova Iguaçu, com 900 mil habitantes. O gás é aproveitado como combustível na caldeira que processa o chorume, líquido tóxico proveniente da decomposição do lixo.

Ao custo de US$ 600 mil, o projeto começou em 2000, demorou para ser aprovado, mas virou o primeiro no mundo a receber créditos de carbono. Esses créditos são um benefício dado pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) às iniciativas que reduzam a emissão de gases tóxicos na atmosfera. O MDL foi criado pelo Protocolo de Kyoto, em 1997, e determina que os países desenvolvidos que não reduzirem a emissão de gases de efeito estufa poderão comprar os créditos de MDL de países que os possuem. O primeiro acionista da iniciativa fluminense é o governo holandês, que deve comprar o equivalente a 2,5 milhões de toneladas de carbono durante dez anos, a 3,35 euros por tonelada. “Há um boom de projetos nas áreas de resíduos sólidos, indústrias petroquímicas e suinocultura”, diz Werner Koernex, diretor de meio ambiente do Banco Mundial.

O ineditismo se deve sobretudo à ousadia. “Acreditamos em algo que ninguém acreditava”, diz a engenheira ambiental Adriana Felipetto. A Nova Gerar foi montada pela S.A. Paulista, empresa de construção pesada, e pela Ecosecurities, de consultoria ambiental. O pagamento dos créditos é feito conforme o resultadodas medições. Para ser aprovado, a soma final é submetida a uma auditoria contratada pelo Banco Mundial. Segundo Marco Antonio Fugihara, diretor da consultoria PriceWatherhouse, de janeiro a maio deste ano foram iniciadas negociações envolvendo 64 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2), mas a primeira concretizada é a de Nova Iguaçu. Os maiores interessados são a Europa, o Japão e o Canadá.

Para certificar o projeto, a empresa foi submetida ao colegiado da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e ao crivo da Comissão Interministerial de Mudança do Clima, coordenada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. A concessão da Prefeitura de Nova Iguaçu, que recebe um porcentual do que entra na central de resíduos – inclusive os créditos de carbono –, é de 30 anos. As empresas
particulares pagam entre R$ 60 e R$ 150 por tonelada para processar seu lixo no local. Com 550 mil metros quadrados, o aterro recebe 1,5 mil toneladas de resíduos secos por dia, provenientes de coleta seletiva. O terreno é coberto por duas camadas de argila. Entre a argila e o lixo é montada uma rede de drenagem que capta o gás e o chorume. O biogás formado pela decomposição é canalizado, e não queimado, como ocorre nos aterros sanitários. O diferencial é computado nos créditos de carbono.

Se o Brasil sai na frente na certificação de um dos principais instrumentos de controle de poluentes, ainda deixa a desejar na proteção de suas florestas, segundo o inventário (leia quadro) apresentado na 10ª Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-10), que vai até o próximo fim de semana em Buenos Aires. As manifestações de ecologistas durante o evento deixaram evidente que os EUA continuam a ser o grande vilão. O país se recusa a assinar o Protocolo de Kyoto, que estabelece metas para reduzir as emissões dos países desenvolvidos entre 2008 e 2012.

A partir de fevereiro, o protocolo entra em vigor. Aí a briga deve ficar feia para os países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, listados entre os dez maiores poluidores do mundo. Na primeira rodada de negociações, essas nações ditas pobres ficaram de fora do compromisso de reduzir as emissões. Como seu índice de poluentes aumentou, tudo indica que a pressão internacional deve aumentar, e muito, no futuro.