15/12/2004 - 10:00
Difícil pensar em generosidade maior do que o ser humano tirar um pedaço de si ou de um ente querido para dar a outra pessoa e salvar-lhe a vida. No Brasil, este gesto solidário é cada vez mais frequente. Em 2004, deverão ser realizados 13,5 mil transplantes, contra 12 mil concretizados no ano passado. As explicações para esse fenômeno positivo são várias. “Faltava informação, hoje as pessoas conversam mais sobre o assunto”, avalia a nefrologista Maria Cristina de Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). “Além disso, o sistema de notificação e captação de órgãos foi aperfeiçoado”, diz. Um passo importante foi a lei aprovada há dois anos que obrigou as UTIs de nível II – aptas a manter pacientes com morte cerebral – a formar comissões de transplantes.
A modalidade de doação que mais aumenta é a de doadores mortos, em que a única exigência é a concordância da família. A quantidade de doadores vivos se mantém estável. “Normalmente isso acontece entre parentes”, explica Maria Cristina. O aumento de transplantes deve ser comemorado, mas ainda falta muito. Existem cerca de 60 mil brasileiros na fila à espera de um rim, fígado, coração e outros órgãos que podem fazer a diferença entre a vida e a morte.
Para quem vive à espera de um doador, o tempo passa mais rápido. Foi o que descobriu o professor universitário Francisco Neto de Assis,
58 anos, de Pelotas (RS), cujo filho Eduardo sofria de miocardiopatia dilatada, principal causa de indicação para transplantes cardíacos no mundo. Em 1997, quando o jovem tinha 14 anos, surgiu a possibilidade de doação na própria família, quando uma sobrinha de 16 anos morreu em acidente de carro. “Meu irmão disse ao médico que queria doar o coração da filha para Eduardo”, lembra. Os médicos não conheciam os procedimentos de captação do órgão e a doação acabou inviabilizada. O rapaz entrou na fila de transplantes e lá ficou por nove meses. No início de 1998, os transplantes praticamente deixaram de ser feitos no período da discussão sobre a lei que tratava do assunto, hoje em vigor. “Ele não resistiu e morreu”, conta o pai. Assis transformou a dor em disposição de luta e criou a Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote), entidade que hoje tem papel fundamental na divulgação do ato de doar. Ainda existem alguns pontos a serem aperfeiçoados no sistema de transplantes – muitas vezes a família tem de esperar até 12 horas pela retirada dos órgãos. A demora se deve à reconstituição do corpo feita pelos médicos e à burocracia do Instituto Médico Legal. Mesmo com o risco da demora, o gesto vale a pena, e não só para quem espera na fila. ISTOÉ mostra, no depoimento de pessoas que doaram ou autorizaram a doação, como essa decisão é importante para os dois lados.