Para tudo se tem réplica no Paraguai. Não escaparam dessa máxima as notas fiscais de grandes importadores e distribuidores – de informática a agrotóxico – que atuam legalmente em várias regiões do Brasil, principalmente em São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e no Paraná. O crime faz escola e os paraguaios acolheram a idéia, de brasileiros, para livrar mais rápido a muamba da frágil fiscalização ao contrabando e ao transporte de
cargas no País. Essas notas clonadas são feitas em pequenas gráficas que ficam em Foz do Iguaçu e em municípios vizinhos. Elas são encomendadas por lojistas paraguaios para uso de seus clientes quando vão às compras em Ciudad del Este. Essas notas são também vendidas por ambulantes nos maiores shoppings de informática e eletrônicos do Paraguai. A reportagem foi abordada por vários deles que asseguravam que era só mandar um fax da nota original que em três dias eles entregavam até em São Paulo blocos clonados. Cada conjunto de três vias custa US$ 2. O bloco com 50 notas, como tudo que é vendido em atacado na fronteira, fica mais barato: pouco mais de US$ 50. A reportagem de ISTOÉ obteve nos shoppings Lai-Lai e Vendome 16 conjuntos de notas, 11 com situação cadastral legal, CNPJ e endereços reconhecidos pela Receita Federal e compatíveis com as empresas clonadas.

Diante das originais emitidas percebe-se, em alguns casos, uma falsificação grosseira. Mas esses detalhes não servem para impedir o transporte e até mesmo a liberação da mercadoria pela fiscalização. Para as transportadoras não importa se a nota é falsa ou não. Ela é responsável pelo frete e ponto final. Segundo informações de uma das empresas clonadas, essas notas são feitas em fundo de quintal, mas também em empresas oficializadas, quase todas no Paraná. Medianeira, região onde está concentrada a Operação Cataratas e o principal ponto de fiscalização da Receita Federal, é uma grande fornecedora de notas frias para todo o País. Esses blocos são arma poderosa para esquentar mercadoria, por exemplo, na Galeria Pajé, que fica na rua 25 de Março, e na rua Santa Efigênia, grandes centros de produtos eletrônicos e de informática contrabandeados em São Paulo.

Os clones mais vendidos no Paraguai são das distribuidoras e importadoras de material de informática e mídia de CD e DVD e eletrônicos, entre elas a Alcatéia Engenharia de Sistemas Ltda. (SP); a Macimport In (SP); a Compumicro Micros e Periféricos (Ribeirão Preto-SP); a Conections Indústria e Comércio de Equipamentos Eletrônicos (Londrina-PR); a Pauta Equipamentos e Serviços (São José-SC); e a Kika Colorida Cine Foto (Juiz de Fora-MG). Na área agrícola aparece nota da Issam Importação e Exportação (SP).

Importadora de mídias virgens para CD e DVD, a Macimport In já assistiu ao  uso de sua marca e CNPJ em documentação falsa para transportar uma quantidade imensa de bermudas compradas no bairro do Brás (SP) para Caruaru (PE). Mas a diversidade de mercadoria não pára por aí. Alertados por uma transportadora paulista, preocupada com o pagamento do frete, a empresa descobriu que “vendeu” para a LC Cruz Distribuidora de bebidas, com sede em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, uma carreta de cigarros paraguaios. O dono da LC, segundo a Macimport, emprestou o nome da empresa dele para um amigo que teria emitido a nota falsa da importadora.

“Nós só vendemos para distribuidores com inscrição estadual. Já fomos ameaçados de morte depois de uma operação contra a pirataria na Galeria Pajé no final de 2003, quando blocos falsos com o nome da empresa foram jogados pela janela durante a batida. Há anos lutamos na Receita para que isso tenha um fim e nada acontece. Nós somos as vítimas, mas tratados como criminosos”, desabafou uma diretora da empresa, que pediu para não ser identificada, assim como seus donos, por medida de segurança.

Os representantes jurídicos da Alcatéia, outra empresa vítima, fazem centenas de boletins por mês junto à polícia acusando a falsificação de notas que surgem dos quatro cantos do País. Já acionaram a Receita, mas o problema persiste, mesmo após trocarem as notas de bloco para formulário contínuo, que só podem ser feitas por rotativas e não em equipamentos de fundo de quintal. Mesmo assim, cópias dos modelos antigos continuam dando dor de cabeça à empresa. Como representante da Microsoft e da Intel, que exigem uma série de requisitos da empresa para comercializar seus produtos, a Alcatéia arcou com os prejuízos de uma concorrência pública que teria “ganho”, sem nunca ter participado dela. Foi com o Sebrae de Campo Grande. Eles compraram computadores com nota fria de uma falsa representante em Santa Catarina. “Demos parte disto tudo e até agora não há solução. Há ocorrências que simplesmente desaparecem”, afirma a representante jurídica da Alcatéia, Cláudia Darré.

As empresas veterenas na comercialização de produtos de informática não são as únicas vítimas do derrame de notas frias. A Connections e a Pauta, distribuidoras do Sul, são marinheiras de primeira viagem da máfia da falsificação. Informados por ISTOÉ que notas com nome da Pauta circulam no Paraguai, como a de número 151713, os donos da empresa, que é cliente da Alcatéia, esclareceram: “Mudamos as notas e mesmo assim conseguiram nos clonar em Porto Alegre. Agora, saber que estão envolvendo nossa empresa no Paraguai nos deixa perplexos e temerosos do que está por vir.” Ben Hur Pereira Teixeira, um dos donos da Conections e cliente da Macimport In, descobriu em janeiro que estava sendo vítima da falsificação. Só este mês já foi convocado mais de dez vezes à Receita para prestar esclarecimentos. Segundo ele, o comércio de Londrina e Maringá está praticamente dentro do Paraguai. “Não apresentam uma solução, mas eu tenho sempre que me defender, como se fosse eu o criminoso.”

*ISTOÉ conversou com dirigentes da Divisão de Combate à Pirataria e ao Contrabando, da Receita Federal em Brasília, e encaminhou ao órgão toda a documentação falsa obtida em Ciudad del Este, no Paraguai.