Cinco dias antes de findar seu mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto nº 4.553, jogando um manto de 50 anos de sigilo sobre documentos ultra-secretos. “Assinei sem medir as consequências. Se Lula achar que deve mudar e abrir os arquivos, ele muda na hora, quando quiser”, admitiu FHC na semana passada, em São Paulo. A provocação fez efeito: Lula decidiu assinar novo decreto, restaurando a regra anterior de sigilo máximo de 30 anos. E fez mais. Reagiu impassível à decisão do Tribunal Regional Federal de Brasília, que, na segunda-feira 6, deu um prazo de 15 dias para o governo abrir seus arquivos sobre a Guerrilha do Araguaia, movimento armado promovido pelo PCdoB no sul do Pará para enfrentar a ditadura militar. Após um combate feroz que durou três anos, o Exército massacrou os focos guerrilheiros, sumindo com 59 corpos.

Em junho de 2003, a juíza federal Solange Salgado ordenou a quebra de todos os segredos em torno da guerrilha. Um mês depois, para surpresa geral, o governo Lula, que tem um ex-guerrilheiro do Araguaia (José Genoino) na presidência do PT, recorreu da decisão da juíza. Na semana passada, porém, Lula agiu de outra maneira. Chamou ao Planalto, na noite de segunda-feira, o ex-guerrilheiro e ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o ex-preso político Nilmário Miranda, secretário nacional de Direitos Humanos, para lhes transmitir uma decisão histórica: os arquivos do Araguaia, 29 anos após o fim da guerrilha, vão ser abertos aos parentes das vítimas. “O presidente Lula não vai recorrer”, informou Nilmário ao País. Na terça-feira 7, diante dos generais reunidos no Planalto para apresentação dos novos promovidos, o ministro da Defesa, José Alencar, bateu continência para a decisão do comandante-supremo: “Os familiares têm o direito de saber o que aconteceu com seus ancestrais.” Na sentença em que manda abrir os arquivos, o desembargador federal Antônio Souza Prudente ecoou: “É direito natural das famílias localizar os corpos de seus parentes, em que situações e circunstâncias desapareceram e transportar os restos mortais para dar a eles um sepultamento digno e cristão.” O Exército tem repetido que todos os documentos do Araguaia foram destruídos, ao final do regime militar. Não é o que diz Danilo Carneiro, um dos primeiros guerrilheiros presos na mata pelos militares: “Eles têm registro de tudo. Na prisão, matavam as pessoas e nos mostravam as fotos.” ISTOÉ, na edição 1830 de 3 de novembro de 2004, apresentou novos documentos sobre a guerrilha conseguidos com militares que participaram dos combates. Os oficiais revelam segredos e admitem que o número de mortos pode ser maior do que o calculado até hoje.