O governo está determinado a impedir que a polêmica do salário mínimo repita o imbróglio político deste ano, quando a discussão se espichou de janeiro até maio, data-limite para a definição do piso, e rendeu enorme desgaste para o Executivo no Congresso. Além de se antecipar às discussões, fixando desde já o futuro mínimo em R$ 300 (só vale a partir de maio de 2005), o governo esticou a corda no porcentual de aumento, fixando-o em 15%. Pelas contas federais, a correção acima da inflação será da ordem de 9%, sete vezes maior do que a concedida no último reajuste. Embora não tenha alcançado os R$ 320 pleiteados pelas centrais sindicais, o novo valor ficou 6% acima do inicialmente previsto no Orçamento, de R$ 281, e dificultou qualquer discussão responsável sobre reajustes ainda maiores. Também jogou o embate em torno do custo de financiamento do reajuste, calculado em R$ 2,5 bilhões, no meio da disputa em torno de outros pleitos que também exigem gastos extras, como os ressarcimentos tributários a Estados e municípios exportadores e a concessão de incentivos fiscais ao setor produtivo. Como o cobertor é curto, quem se empenhar em engordar ainda mais o mínimo estará comprometendo as disponibilidades para outros programas destinados a clientelas ativas e atentas. Foi também farejando vantagens políticas que o governo anunciou a correção de 10% na tabela do Imposto de Renda (IR). A origem da preocupação federal está no abandono da classe média, diagnosticado pela cúpula petista após a derrota de Marta Suplicy na disputa para a Prefeitura de São Paulo. Mas, no caso da tabela, o alívio é menor do que parece, embora cause um rombo de R$ 2 bilhões nos cofres públicos. Como deduções com escola e dependentes não serão reajustadas, na média, a correção fica em 7%. O Fisco se defende argumentando que com essa regra concentra o benefício nas mãos dos contribuintes de renda mais baixa.

Apesar da rapidez na decisão, se engana quem acha que o pacote de Natal do presidente Lula era consenso dentro do governo. O Ministério da Fazenda resistiu às mudanças. Em especial no caso da tabela do IR, que, na avaliação de técnicos da equipe econômica, representa um custo elevado para um benefício pulverizado entre milhões de contribuintes. No caso do mínimo, Lula se concentrou em duas opções: R$ 290 valendo a partir de janeiro ou R$ 300 vigorando a partir de maio. Até às vésperas do anúncio, Lula se inclinava pela primeira opção, mas o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, convenceu-o a optar pela segunda, que se aproxima mais do valor pleiteado pelos sindicalistas. O pacote de Natal começou a ser engendrado pelo presidente no final de setembro, após a posse de Paulo Skaf na presidência da Fiesp, em São Paulo. O empresariado presente aplaudiu entusiasmado o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin, concedeu a Lula as respeitosas palmas protocolares e ignorou a prefeita Marta Suplicy. Lula deixou o auditório convencido de que tinha que recuperar espaço. O esforço do governo combinado com a valorização do real em relação ao dólar conseguiu produzir um mínimo maior que US$ 100, calando um incômodo foco de fogo amigo: o senador petista Paulo Paim (RS). Mas dificilmente Lula conseguirá cumprir a promessa de campanha de dobrar o valor do mínimo até o final de seu governo. Para isso, teria que aplicar um aumento de mais de 60% em 2006, algo impossível.

Combate à pobreza – Fora do espaço político, o aumento do mínimo envolve  uma série de discussões econômicas que prometem crescer. A primeira diz respeito à capacidade federal de pagar a conta. Alguns economistas duvidam  que em 2005 o aumento da arrecadação seja capaz de bancar o novo mínimo, o alívio no Imposto de Renda e o aumento nos investimentos em obras, sem colocar em risco o rigor fiscal e a credibilidade do governo. Outro debate diz respeito à eficiência de elevar o mínimo como forma de combater a pobreza, objetivo principal do presidente. De acordo com o economista Marcelo Neri, um especialista na área, 73% do impacto do mínimo sobre a redução do número de pobres se dá por intermédio da Previdência Social, com mais da metade dos benefícios correspondendo ao piso – cerca de 14 milhões de aposentados. A questão é que os idosos são um grupo menor entre os mais pobres. As crianças representam quase metade dos pobres brasileiros. “O aumento do mínimo reduz a pobreza, não há dúvida. Mas seria melhor aumentar o investimento em programas focados no público infantil, como o Bolsa-Família”, diz Neri.

Já o economista José Maurício Soares, do Departamento Intersindical de  Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), especialista no assunto,  defende os reajustes acima da inflação para o mínimo como forma de redistribuir renda. “É importante recompor o poder de compra do salário mínimo e fazer  dele um mecanismo para redistribuir renda”, diz. Soares aponta ainda dois outros fatores positivos adotados pelo governo: a definição do valor do reajuste no Orçamento de 2005 e a criação de uma comissão permanente para discussão de uma política de recuperação do salário.