Onde você guarda seu racismo?  Com a frase, 40 organizações não-governamentais, entre elas o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), começaram  na terça-feira 11 uma campanha diferente para combater o preconceito racial. A idéia foi da publicitária e consultora de Comunicação Nádia Rebouças, que coordenou a Ação da Cidadania criada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e tem como objetivo provocar uma inevitável reflexão. “Ninguém admite o racismo, mas com a pergunta as pessoas são obrigados a pensar sobre si”, constata Nádia. A campanha será divulgada em seis filmes de 30 segundos, exibidos pela Rede Globo, além de 20 outdoors, 30 busdoors, 30 anúncios em trens e 300 cartazes em pontos de ônibus do Rio de Janeiro. Tudo feito com voluntários e veiculado gratuitamente.

Numa enquete informal, uma maioria de brancos respondeu à questão colocada pela campanha com frases como “está dentro de mim”, “na cabeça”, “ no meu espaço crítico”, “na herança cultural”, “no inconsciente”, “na pele”, “nas piadas”, “no medo”. Mas o que inspirou mesmo Nádia foi uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, feita em 2003 com cinco mil pessoas em todos os Estados brasileiros (exceto Amapá), que diz que 87% dos brasileiros acham que há racismo no País, mas só 4% admitem o sentimento. Isso demonstra o quanto é difícil identificá-lo nas próprias atitudes. “As pessoas acham normal que as prisões estejam abarrotadas de negros”, lamenta o sociólogo Cândido Grzybowski, diretor do Ibase.

A campanha não se restringirá à participação de negros, mas o lançamento do projeto foi marcado por depoimentos de gente que sofreu o preconceito na pele. O paulistano Joel Bispo Borges, 45 anos, contou a dramática história de seu primo, o dentista Flávio Sant’Anna, assassinado em fevereiro por policiais que o confundiram com um bandido. Flávio tinha ido levar a namorada ao aeroporto e foi parado quando voltava para casa. Ao constatar que a vítima era um dentista, os policiais deram sumiço no corpo, encontrado no Instituto Médico Legal graças a um policial da família. “Com mais três horas, ele seria enterrado como indigente”, lembra Joel.

Menos dramática, mas contundente, foi a experiência da bailarina carioca Carmen da Luz, 45 anos, da Companhia Étnica de Dança. Seu grupo havia sido patrocinado pela Petrobras para se apresentar, em novembro, no Hotel Marriot, na orla de Copacabana (zona sul). Ao chegar no hotel, foram convidados a usar a entrada de serviço. “Passamos mais de 40 minutos em negociações”, lembra Carmen. A situação só foi resolvida quando a bailarina ameaçou abandonar o local e todos se dispuseram a assinar um papel com os números de seus documentos. O grupo foi aplaudido de pé e ainda acabou barrado no coquetel. “Chorei muito ao contar a história a meu marido quando cheguei em casa”, emociona-se Carmen.

Apesar de corresponderem a 45,3% da população, os negros representam  63,6% da população pobre, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). A população negra assalariada ganha menos do que a branca em todas as faixas de escolaridade. Na superior, o rendimento médio de negros é quase a metade da de brancos. “Não vamos resolver o problema com uma campanha, mas com um movimento de transformação social que pode começar com esta reflexão”, acredita Nádia.