Antes de retomarem, na próxima semana, a discussão sobre a reforma política, os deputados deveriam recorrer aos ensinamentos do filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.). Para ele, existiam três formas básicas de experiência política e suas respectivas distorções: a monarquia, o poder de uma só pessoa cujo desvio é a tirania; a aristocracia, governo de poucos, escolhidos pelos seus valores e qualidades morais, que pode se transformar numa oligarquia; e a democracia, que é o governo exercido pelo povo, mas pode descambar para a demagogia, onde o debate é substituído pelo fisiologismo e pela corrupção. Nestes dias, a discussão na Câmara dos Deputados em torno da reforma política demonstrou quanto ainda são atuais as idéias de Aristóteles.

Depois de 22 anos de democracia, o Brasil tem partidos sem nenhuma consistência ideológica. O poder econômico define eleições nas quais a campanha de um deputado estadual em São Paulo pode custar mais de R$ 1 milhão. O eleitor vota em determinado candidato de determinado partido e elege outro de um partido coligado que tem idéias políticas diametralmente opostas. Logo em seguida, esse mesmo deputado troca de legenda por conta de suas conveniências pessoais. Marqueteiros diluem o debate de idéias e transformam os candidatos em meros produtos bem embalados. Na falta de idéias, cantores e outras celebridades encabeçam as listas dos mais votados. Morreu a democracia, triunfou a demagogia. A sucessão semanal de escândalos parece ter levado os parlamentares à constatação de que o atual sistema de votação brasileira faliu de forma inexorável. Nesse sentido, o início da discussão da reforma política é mais do que bem-vindo. O problema é que, ao tentar pôr fim à demagogia, os deputados podem acabar fazendo com que o País caia em outra das distorções definidas por Aristóteles: a oligarquia.

“Não me lembro qual foi a última vez que eu vi o plenário da Câmara passar a tarde discutindo um tema relevante”, comemora o cientista político José Luciano Dias. “O problema, porém, é ter se resolvido iniciar essa discussão por um erro brutal, que é essa idéia de voto em lista fechada por partido”, completa ele. É aí que a demagogia de hoje pode acabar trocada pela oligarquia. O sistema proposto no projeto relatado pelo deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) estabelece que o eleitor, para deputado estadual e federal, não votará mais em candidatos, mas nos partidos. E cada partido, na sua convenção, estabelecerá uma lista com a ordem de candidatos que virão a ser eleitos conforme a votação que o partido tiver. Exemplificando: o eleitor tem imensa simpatia por, digamos, Eduardo Suplicy (PT-SP), mas não gosta de, por exemplo, João Paulo Cunha (PTSP). Ocorre que João Paulo Cunha tem mais capacidade de influência sobre a cúpula partidária que Suplicy. Ele ficará, assim, mais bem colocado na lista. E o eleitor, se votar no PT imaginando eleger Suplicy, terá bem mais chances de trazer para a Câmara João Paulo Cunha. “Diante da inevitabilidade de se discutir uma mudança no sistema político, as cúpulas de alguns partidos se apoderaram da discussão sobre a reforma e impuseram essa demanda como garantia das suas sobrevivências”, critica Luciano Dias.

Os que defendem o sistema afirmam que ele se torna imprescindível, caso se venha a adotar o financiamento público de campanha. “O dinheiro irá para o partido, a campanha será por partidos; então, não há como manter paralelamente uma disputa entre candidatos”, argumenta o líder do DEM, Onyx Lorenzoni (RS). “Não haver a lista quebra a lógica do que estamos propondo”, emenda Ronaldo Caiado. O ideal, argumentam, era que se aprovasse o voto distrital misto, como na Alemanha (onde parte da Câmara é votada com lista fechada e voto proporcional e outra metade pelo voto dos eleitores nos distritos). Mas isso implicaria uma mudança constitucional, muito mais complicada.

A polêmica em torno da lista fechada empacou o início da reforma política. A reação de partidos menores e de políticos que são eleitos sem contarem com a simpatia absoluta das cúpulas adiou a votação na quarta-feira 13. E pode acabar prevalecendo uma saída mista. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) propõe uma emenda que estabeleceria duas votações. Primeiro, o eleitor votaria na lista. Em seguida, votaria num candidato e, assim, poderia vir a conseguir a alteração da posição do nome da sua preferência na ordem estabelecida pelo partido. Na prática, isso significaria o fim da lista. Mas essa “solução morena”, pelo menos, limparia a pauta da polêmica e permitiria a entrada nos temas que, de fato, podem moralizar a política brasileira, como o fim das coligações nas eleições proporcionais (que possibilitam o absurdo de alguém votar no PV e acabar elegendo alguém do PR) e a fidelidade partidária.

22 anos de regime democrático não foram suficientes para o Brasil desenvolver partidos fortes