29/12/2004 - 10:00
Nas quintas e sábados, ele dedica duas horas a sessões de RPG (reeducação postural global). O corpo não é mais o mesmo de quando ensinava educação física. Em dez anos de sacerdócio, padre Marcelo Rossi sabe que sua obra depende também dos cuidados com o físico. No mês passado, no lançamento de um livro de parábolas bíblicas, reservou 20 mil exemplares para a sessão de autógrafos no Rio de Janeiro e dez mil para Belo Horizonte. “Escrevi milhares de dedicatórias. É impressionante o que isso causa nas minhas costas”, lamenta. “Preciso fazer alongamento todos os dias. Mas nem sempre obedeço à fisioterapeuta: só aprendo com a dor”, diz. Símbolo da Renovação Carismática (movimento que se utiliza de músicas e coreografias para despertar o ardor religioso nos fiéis), padre Marcelo tornou-se um dos cantores mais vendidos do País e se prepara para gravar um DVD acústico. Aliás, planos para 2005 não faltam. Um deles é inaugurar um novo santuário em São Paulo, com projeto do arquiteto Ruy Ohtake. Neste Natal, sua ceia será, como de costume, ao lado dos parentes. “Digo para as pessoas ficarem com suas famílias no dia 24. Deixem para ir à missa no dia 25”, ensina. “No aniversário de Jesus, é ele quem merece os presentes”, diz nesta entrevista concedida a ISTOÉ.
Na véspera, estarei com minha família. São quase 200 pessoas que se reúnem na casa da minha madrinha em Campinas (SP). Celebro uma pequena missa para eles por volta das 21h e, às 23h30, rezamos um pai-nosso e relembramos as pessoas que perdemos. Depois da ceia, fazemos uma coisa muito legal que é o “saco secreto”. Cada um leva um presente sem saber para quem vai dar e coloca em um saco gigante. Depois, cada um pega, sem ver, um pacote do saco. Acontece de homem pegar roupa de mulher, adulto pegar brinquedo de criança, e em seguida fazemos o bazar da troca. Além disso, nós sempre levamos para uma comunidade carente um pouquinho do que temos para comer. Parece pouco, mas é muito para quem não tem nada. E não damos a sobra: fazemos a divisão antes.
Tenho duas famílias, uma de sangue e outra que é mais do que sangue: a Igreja. Tento conciliar. Em vez de celebrar missa no dia 24, digo para as pessoas ficarem com suas famílias e irem à missa no dia 25, aniversário de Cristo. Celebrarei às sete da manhã.
Dou muita importância ao Natal. Este ano, tem um valor ainda mais especial porque meu bispo (dom Fernando Figueiredo) fez 65 anos e eu completei dez anos como padre. Neste tempo, já consigo ver os frutos, perceber que Deus está operando e eu sou apenas um instrumento. Infelizmente, para muitas pessoas, o Natal é um momento de depressão. Para quem não tem espírito de família e não o entende como aniversário de Cristo, o Natal vira uma data vazia.
Natal é “ser” presente. É o nascimento de Jesus, e sua principal mensagem foi mostrar que somos uma só família. Para a Igreja, é a principal festa depois da Páscoa. A data foi escolhida no quarto século por coincidir com o solstício, o dia mais curto no Hemisfério Norte e o mais longo no Hemisfério Sul. No Império Romano, havia adoração ao deus Sol e os cristãos eram perseguidos. Em 313, o imperador Constantino deu liberdade religiosa aos cristãos e, no final do quarto século, o imperador Teodósio declarou o cristianismo religião oficial do Império Romano. No quinto século, o papa Leão Magno deu início à celebração do Natal e escolheu a data em que os pagãos adoravam o Sol. “Jesus é o Sol da Justiça”, ele dizia. A vinda do Senhor representa o novo. É Jesus quem merece os presentes.
Responderei com uma parábola: um rapaz queria comprar um presente para Jesus e foi ao shopping. Chegando lá, foi a uma loja de camisas, olhou todas e não conseguiu escolher. Tentou comprar uma calça ou uma sandália, mas nada era digno de Jesus. Ele já estava ficando com fome quando chegou um menino e perguntou se não podia engraxar seu sapato. Ele recusou, mas o convidou para comer algo em uma lanchonete. “Posso pedir o que quiser?”, perguntou o menino. “Pode”, respondeu ele. “Eu quero um milk shake, batata frita, dois sanduíches e três refrigerantes”, disse o menino, entusiasmado. O rapaz aprovou, pediu licença para ir ao banheiro e, quando voltou, não encontrou mais o menino. Havia apenas um bilhete em cima da mesa: “Obrigado pelo milk shake, pelos sanduíches, pela batata frita e pelos refrigerantes. Assinado: Jesus Cristo.”
Acho que será pior. No ano passado, quando me perguntavam sobre o governo Lula, eu dizia que era cedo para dizer. Hoje já consigo fazer uma análise do governo. Vejo que as exportações estão bem, mas nosso povo está sofrendo muito. Sei disso porque lido o tempo todo com desempregados. Ao redor do santuário existem muitos camelôs. Alguns não entendem como posso aceitar que eles fiquem aqui. Sei que vira uma bagunça, mas como posso tirar daqui uma pessoa que depende disso para sobreviver?
Há. Este ano, a festa de São Judas, o santo das causas impossíveis, quase bateu recorde de fiéis em São Paulo. No santuário, tínhamos 99% de mulheres na audiência das missas. Hoje, os homens voltaram, muitos por causa do desemprego. Agora, se você me perguntar se eu acredito no Brasil, direi que sim. Desde que haja uma política ética.
Melhor. O ano passado foi muito difícil. Havia acabado de perder um primo, vítima de câncer. Foi um choque, embora Carlos e eu brigássemos bastante. Uma vez, o filho dele foi picado por cobra e ele quase me bateu. Ele gritava comigo como se estivesse brigando com Deus. “Por que tudo tem de acontecer comigo?”, ele dizia. Já 2004 foi um ano muito especial na minha vida. Em janeiro, pude entregar nas mãos do papa uma cópia do filme Maria – mãe do filho de Deus. Foi a realização de um sonho. Havia prometido ao Santo Padre evangelizar em todos os meios de comunicação. Ele só conseguia balbuciar, mas estava lúcido e pegou a fita. Agora, estou bem perto de viabilizar a construção do novo santuário.
Este local (o santuário do Terço Bizantino, em São Paulo) é horrível. Mas não podemos mexer nele porque é alugado. Este ano, conseguimos um terreno e o (arquiteto) Ruy Ohtake se ofereceu para fazer o projeto do novo santuário. São 30 mil metros quadrados e, na parte mais alta, terá 15 metros de altura. Ele criou um salão sem colunas e fez o palco em meia-lua, para ser visto por todos. Haverá telões e as portas serão basculantes para que, quando abertas, o altar possa ser visto do lado de fora. Abrigará até 100 mil pessoas.
Uma comissão presidida pelo Gabriel Chalita (ex-seminarista e atual secretário de Educação do Estado de São Paulo – leia mais na sessão Cidadania) está em busca de empresas que possam doar material e mão-de-obra. Quero inaugurar em 8 de dezembro e estar lá no próximo Natal. Quanto à missão, comentei isso com meu amigo Robert Degrandis, líder mundial da Renovação Carismática, e ele me disse o seguinte: “Quando você achar que sua missão terminou, é aí que ela estará começando.”
Em dez anos de trabalho, aprendi a evitar a superexposição. Hoje, sei que é preciso dosar para não banalizar. Por isso preferi esperar a conclusão dos filmes. Mas quero resgatar esse projeto. A idéia é fazer um show acústico com as melhores músicas dos meus sete CDs. Vou chamar alguns amigos para cantarem comigo. Quero cantar Erguer as mãos com a Ivete Sangalo. Daniel, Zezé di Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, Chitãozinho e Xororó e Sandy e Júnior serão convidados.
Vejo muita coisa bonita acontecendo. A Canção Nova (emissora católica) tem um trabalho lindo. O padre Jonas (Jonas Abib, presidente do canal) inaugurou recentemente um ginásio para 70 mil pessoas em Cachoeira Paulista (SP). Há a Rede Vida, a TV Século 21. Tudo isso me mostra que a Igreja está acordando para os meios de comunicação. Tenho a maior admiração pelo trabalho dos evangélicos. Nunca ouvi cultos, mas acho importante ir ao encontro dos fiéis por todos os caminhos. O Papa tem pedido para evangelizarmos “com ardor missionário”. Meu programa na Rádio Globo, das 9h às 10h, passou de 200 mil para 760 mil ouvintes por minuto em São Paulo. No Rio, são 859 mil. Lá, de cada 100 rádios ligadas, 70 ouvem o programa, transmitido por 80 emissoras.
No início, apanhei muito da imprensa e, pouco depois, de setores da própria Igreja. Hoje, há um respeito maior pelo meu trabalho. Lógico que não agradarei a todo mundo. Nem Jesus conseguiu.
Meu bispo é doutor em patrística, o estudo dos primeiros escritos cristãos. Em dez anos, li a maioria desses autores, como Santo Inácio de Antioquia, que viveu até o ano 107, Santo Irineu, que morreu em 202, São Cipriano, que viveu no século terceiro, e Santo Ambrósio, que converteu Santo Agostinho. Ao mesmo tempo, existiram escritos que negavam a divindade de Jesus. Não cheguei a ler O Código da Vinci, mas, pelo que pude ver, o autor se baseou apenas nesses últimos documentos. Foi parcial.
Apesar dos 16 milhões de exemplares vendidos, não acho que mudará alguma coisa. O teor do livro é semelhante ao do filme O corpo, com Antonio Banderas, no qual é apresentada a teoria de que o corpo de Jesus é de outra pessoa. Se isso fosse verdade, nossa fé seria em vão. Mas não é nisso que eu acredito. Nossa fé não é cega. Há muitos documentos de época que testemunham a existência e os atos de Jesus.
Em 1980, quando ele veio a São Paulo, eu tinha 13 anos. Minha família tinha um apartamento do qual bastava atravessar a rua para vê-lo, mas preferi ficar em casa vendo filme. Anos depois, assisti a uma série de tevê sobre Karol Wojtyla e aquilo mexeu comigo. Em 1997, tive a oportunidade de encontrar o papa no Vaticano. Nunca esquecerei o momento em que o vi tirar o manto. A coluna do Santo Padre é uma coisa impressionante. Ele deve sentir dores horríveis. Mesmo assim, ficou 20 minutos de joelhos. Rezo para que ele viva mais dois anos e se torne o papa com o maior pontificado na história do catolicismo.
O próximo Papa seguirá a mesma linha. A Igreja é coerente em relação à ética, ao amor e à valorização do ser humano. Hoje, vivemos uma sociedade descartável, mas não somos descartáveis. A missão da Igreja é levar essa mensagem de acolhimento. Quanto à ciência, uma coisa é usar célula-tronco extraída de outras fontes (cordão umbilical, por exemplo) e outra é utilizar célula-tronco retirada de embriões. O que a Igreja não aceita é que se atente contra a vida. Na questão do aborto, muitas mulheres que o defendem dizem “esse corpo é meu!” Mas, se existe um ser vivo em sua barriga, o corpo não é mais dela. Tirar uma vida não é aceitável, seja ou não de um anencéfalo.