04/03/2009 - 10:00
O Relógio do Juízo Final marca cinco minutos para a "meianoite nuclear". Cercado de assessores, o presidente americano Richard Nixon debate-se diante de um confronto direto com a União Soviética. É sob essa paranoia da destruição global que se inicia Watchmen (em cartaz na sexta-feira 6), uma das adaptações de quadrinhos mais esperadas dos últimos anos.
Estamos em 1985 e, diante da iminência da guerra total, um super-herói aposentado chamado Comediante é cruelmente atirado do 30º andar de seu apartamento nova-iorquino. Mas esperem: como, em 1985, Nixon era ainda presidente, se ele teve de renunciar ao mandato 11 anos antes, após o escândalo de Watergate? E como o mundo estaria no auge da Guerra Fria a apenas quatro anos da queda do Muro de Berlim? É que, na trama underground imaginada pelo roteirista Alan Moore e desenhada pelo artista gráfico Dave Gibbons, a história recente teria acontecido dessa maneira. Não que os cultuados autores ingleses estivessem em plena viagem de ácido ou prestando um desserviço à formação de adolescentes vidrados em superheróis. Nada disso. Watchmen, cuja adaptação cinematográfica, feita ao custo de US$ 100 milhões, já se candidata a ser uma das mais caras para um produto cult, foi pensada como um quadrinho adulto. Uma das primeiras graphic novel, ela investe em um universo paralelo justamente para desconstruir o imaginário imperialista forjado por personagens como Super-Homem e Capitão América, entre outros.
Na fantasia multifacetada da dupla Moore/Gibbons, classificada por muitos como uma ficção científica, está em vigor a Lei Keene que proíbe a existência de justiceiros mascarados. Sem ter o que fazer na vida, os cinco watchmen (vigilantes) vivem da nostalgia de um passado mais agitado. Mas o assassinato do Comediante (Jeffrey Dean Morgan) os traz de volta à atividade, movidos pela suspeita de que existe um plano para eliminar todos os "mascarados" do passado. Quem levanta essa hipótese é Rorschach (Jackie Earle Haley), um vigilante que optou pela clandestinidade e cuja máscara reproduz manchas móveis de tinta preta ao estilo daquelas usadas em testes psicológicos. Rorschach procura o Coruja (uma paródia de Batman, que como ele vive num subterrâneo), iniciando-se assim uma trama detetivesca ao estilo dos filmes noir dos anos 1940. Não por acaso, Rorschach completa o seu figurino com uma capa de chuva parecida com aquelas usadas por Humphrey Bogart, por exemplo. O restante do grupo dos watchmen é formado por Ozymandias (Matthew Goode), fascinado por Alexandre, o Grande, rei da Macedônia; Espectral (Malin Akerman), uma beldade semelhante a uma dominatrix; e Dr. Manhattan, uma espécie de Super-Homem azulado e de olhos translúcidos que, portanto, dispensa máscaras e roupas. A gênese de todos eles é mostrada no livro Os bastidores de Watchmen (Aleph, 280 págs., R$ 124), que chega às livrarias junto com o filme.
Referência direta ao Projeto Manhattan, que deu origem à bomba atômica americana, o super-herói azul tem poderes de controlar a matéria e o tempo. Ele surgiu quando o físico Jon Osterman (Billy Crudup) foi exposto a uma descarga radioativa em um laboratório secreto. Consegue atingir 30 metros de altura e passa o tempo todo pelado. Essa é a razão, mais suave, de o filme ter ganho a classificação indicativa R nos EUA, ou seja, não aconselhável para menores de 17 anos. As cenas violentas, obviamente, contaram mais. Uma delas mostra o Comediante comemorando a vitória na Guerra do Vietnã – sim, no filme os EUA venceram o conflito asiático – e, ao ser procurado por uma vietnamita que engravidara, a alveja impiedosamente. Com as credenciais da bem-sucedida adaptação de 300, baseado na HQ de Frank Miller (arrecadou mais de US$ 200 milhões nos EUA), o diretor Zac Snyder conseguiu convencer a Warner a bancar essas cenas sem as quais a obra seria desvirtuada – e, claro, apedrejada pelos fãs. Quando o projeto era da Paramount e estava nas mãos de Paul Greengrass (da série Bourne), a ideia era adaptar o enredo com ênfase no terrorismo atual, concepção à qual Snyder sempre foi contra. Outra imposição que ele logo descartou foi a presença de estrelas conhecidas, como Daniel Craig, Jude Law e Sigourney Weaver, antes cotados para os papéis principais. Snyder achava que o enredo perderia sua originalidade e estranheza. Mesmo assim, Alan Moore, o autor da história, que voltará às livrarias pela Editora Panini, não aceitou colocar o nome nos créditos. Optou pela atitude "não vi e não gostei": acha a trama impossível de ser levada às telas.
Muitos diretores nas últimas duas décadas também pensavam assim, especialmente Terry Gilliam, o preferido de Moore. Na época (anos 80), o cinema não contava com os recursos digitais de hoje, como a técnica da motion capture, que permitiu colocar em cena o personagem azul de Dr. Manhattan. O ator Billy Crudup fala do desconforto de ter que atuar com 140 leds no rosto para fazer a marcação dos movimentos mais tarde utilizada nos computadores gráficos.
A outra dificuldade era sintetizar um enredo repleto de personagens e cenários que iam de um castelo na Antártica às superfícies avermelhadas de Marte, lugar onde o Dr. Manhattan se refugia. Ao todo, foram 200 sets diferentes. Snyder queria mais US$ 50 milhões e uma versão final de três horas.
A Warner não deu nenhum dólar a mais e pediu para reduzir a trama em meia hora. Alegava que o filme era "muito longo, muito sexy e muito violento". Venceu a média: Watchmen tem 2h43. Mas o público sai da sala querendo mais.