13/06/2007 - 10:00
No mundo do desenho e da animação, ele é bastante famoso e se chama Taz, fonte de eternos lucros para a poderosa produtora americana Warner Bros. No mundo concreto, ele é menos conhecido e se chama diabo-da-tasmânia, justamente porque o seu habitat são as florestas dessa paradisíaca ilha de águas cristalinas a cerca de 240 quilômetros da costa da Austrália. Há mais de meio século o diabo-da-tasmânia, desengonçado e irrequieto, inspirou o personagem de animação Taz que já rendeu para a Warner bilhões de dólares em todo o mundo, somente em filmes. Agora é a vez de a turma dos desenhos, sobretudo os personagens Pernalonga e Patolino, tentar salvar da extinção o diabo-da tasmânia. Essa troca de favores entre a fantasia e o mundo real deve-se a um triste fato: se nas telas de cinema Taz vai muito bem, na floresta o diabo-da-tasmânia vai muito mal porque um tumor facial maligno já matou a grande maioria deles e os biólogos australianos não conseguem desvendar a causa da doença. Restam apenas 30 desses marsupiais e é preciso encontrar outro canto no planeta onde eles possam sobreviver sem risco de contágio. A Warner Bros entrou na luta e colocou cartazes nas "mãos" de Patolino, Pernalonga e Piu-Piu apelando para cientistas e autoridades ambientais ajudarem a salvar o que resta desses animais.
Quem julgar os diabos-da-tasmânia pela aparência, desde que estejam com a boca fechada, poderá imaginá-los dóceis e meigos. Ledo engano. Brincalhões eles são, mas contrapõe-se a isso o fato de serem também os maiores predadores entre os marsupiais. Exemplo: passam o dia inteiro, e isso todos os dias, dando botes e dentadas em coelhos, cobras e aves da floresta. A abertura de sua mandíbula é de 120 graus e poderosos molares esmagam os ossos de suas presas. Com o homem, porém, o diabo- da-tasmânia não é perigoso. Os primeiros casos da doença que hoje afeta a espécie em mais de metade da ilha surgiram há dez anos e, desde então, cientistas de diversos países buscam em vão uma resposta. Recentemente o seu "aspecto infeccioso" foi sugerido em um estudo de duas pesquisadoras publicado na conceituada revista Nature. Elas analisaram amostras tumorais de 11 diabos-da-tas-mânia que habitavam a parte leste da ilha e descobriram aberrações em seus cromossomos (seqüência de DNA com informação genética).
"Quando percebi no segundo animal analisado que os rearranjos cromossômicos eram idênticos aos do primeiro, embora fossem de sexo diferente, comecei a suspeitar de transmissão por infecção", diz a geneticista Anne-Maree Pearse, uma das autoras da pesquisa. O indício mais forte veio quando ela identificou, em uma célula normal de um dos animais, uma inversão no cromossomo cinco que não existia nas células do câncer. Ou seja, o mal não tinha origem naquele diabo-da-tasmânia. Segundo Anne-Maree, os tumores devem se desenvolver a partir de células transferidas de animal para animal através de mordidas durante as lutas ou nos ferimentos provocados por lascas de ossos que os marsupiais comem. "As células são implantadas, geralmente, sob a mucosa dos lábios, no palato mole ou sob a pele das bochechas e da face, onde então se proliferam", diz ela. A doença de tumor facial ataca a cabeça e o pescoço dos diabos-da-tasmânia, podendo deslocar dentes e invadir globos oculares.
Ela também impede o animal de se alimentar e o seu desenvolvimento talvez seja facilitado pelo alto grau de parentesco e pela baixa diversidade genética da população – o que faz diminuírem as respostas do sistema imunológico contra as células tumorais. Um forte argumento a favor dessa hipótese é o fato de os animais da parte oeste da Tasmânia, geneticamente distintos dos seus primos da região leste, não terem apresentado sinais da doença. É justamente por isso que a Warner e diversos cientistas empenham-se em salvar os que ainda não foram infectados. "Embora os resultados não apontem uma cura, eles indicam que a remoção dos animais pode ser uma maneira de conter a doença, que já matou 80% dos espécimes infectados", diz a geneticista.
Para garantir o futuro dos 30 marsupiais que restam na Tasmânia, a Warner decidiu fazer-lhes uma "poupança": serão lançados 32 DVDs com 11 novos títulos e, nesses filmes, Pernalonga, Patolino e Piu-Piu irão explicar a doença do amigo e seguir com suas conhecidas trapalhadas. Cada DVD irá custar US$ 12, sendo que parte da renda será destinada à Universidade da Tasmânia, responsável pelos projetos de pesquisa. Também já se cogita de um outro habitat para o Taz da vida real: a ilha Maria, próxima à Tasmânia, antiga prisão do século XIX que já abriga diversas espécies de aves ameaçadas de extinção. Essa solução, no entanto, tem gerado polêmica e a própria Warner parece não gostar dela. O motivo é óbvio: como impedir que os diabinhos devorem os pássaros que foram a essa ilha justamente para serem preservados?