Apostando na proteção do guarda- chuva da reforma agrária e da quase meia dúzia de siglas – MST, Mast, MTST, Uniterra e sindicatos ligados à CUT -, milhares de militantes de movimentos de semterra ocuparam 21 fazendas em São Paulo, romperam as cercas de propriedades no Paraná e avançaram sobre plantações de soja em Mato Grosso do Sul. Na fúria do chamado "Carnaval Vermelho", eles abriram a mais radical das porteiras: a do assassinato puro e simples. Na tarde do sábado 21, quatro seguranças da Fazenda Consulta, na cidade de São Joaquim do Monte, agreste de Pernambuco, foram mortos pelos sem-terra. As ocupações e os cadáveres despertaram duras críticas ao governo Lula. O ministro do STF, Gilmar Mendes, atacou o repasse de verbas ao movimento. "O financiamento público de movimentos que cometem ilícito é ilegal, é ilegítimo", disse.

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Ação violenta os quatro seguranças da Fazenda
consulta, antes de serem mortos

"É uma provocação inútil. Eles deveriam cobrar novos assentamentos na Esplanada dos Ministérios", disse o secretário de Justiça de São Paulo, Luiz Antônio Marrey. A bancada ruralista no Congresso Nacional promete, nos próximos dias, acionar o Tribunal de Contas da União (TCU) para que sejam bloqueados os recursos que são repassados a organizações ligadas ao MST. "É um festival de impunidade", disse Antônio Nabhan Gracia, líder da União Democrática Ruralista (UDR).

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), com tradição na defesa dos movimentos sociais, endureceu o discurso. "A Justiça deveria era mandar um pedido de prisão para o presidente Lula e o governador José Serra, que não cumprem a Constituição e não fazem a reforma agrária", indigna-se o padre Severino Leite Diniz da CPT. "Enquanto não se resolver o problema da terra, não teremos paz no campo", disse o religioso. O coordenador do MST em Pernambuco, Jaime Amorim, ampara-se na tese do padre Severino para defender os assassinatos dos seguranças da fazenda. "Mataram para não morrer. A indefinição sobre a desapropriação das fazendas ocupadas aumenta a tensão", diz Amorim. "Evitamos um massacre. Aqueles que morreram não eram pessoas comuns. Eram pessoas contratadas para matar, pistoleiros violentos." Não há registro, contudo, de que eles tenham atacado os sem-terra. O governo federal não quis se pronunciar.

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Carnaval vermelho Em dois dias, dois mil sem-terra ocuparam 21 fazendas em São Paulo

O motivo da irritação, mesmo daqueles que sempre apoiaram o presidente Lula, é a constatação de que o governo do PT – depois de feitas as contas na ponta do lápis – assentou menos famílias do que a gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Entre 1996 e o final de 2002, o governo tucano assentou 592.141 famílias, enquanto a gestão petista somou 448.954 famílias nos últimos cinco anos. Porém, dentre esse quase meio milhão de famílias assentadas pelo governo petista, as contas dos movimentos como o MST e a Contag calculam que 30% são inflados. "O Ministério da Reforma Agrária regularizou milhares de posses que já estavam há anos em poder do sitiante e contabilizou os números como de assentados da reforma agrária", conta Paulo Carallo, da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura. "É ridícula a velocidade da reforma agrária", acrescenta padre Severino.

Cerca de 100 mil famílias de semterra existentes no Brasil já poderiam estar assentadas se não fosse a lentidão da Justiça. Mais de 400 fazendas, segundo o Incra, aguardam a decisão para serem transformadas em assentamentos. Nesses casos, o Incra já desapropriou as áreas, indenizou os proprietários, mas os fazendeiros ainda permanecem na posse da terra até que sejam julgados os recursos.

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"É uma provocação inútil. Eles deveriam cobrar
novos assentamentos na Esplanada
dos Ministérios" Luiz Antônio Marrey, secretário de Justiça
de São Paulo

Do total de imóveis registrados no Incra, 82 milhões de hectares são terras públicas, muitas delas invadidas por fazendeiros indevidamente. "Falta vontade política para o governo resolver a questão agrária", entende Carallo. Se falta vontade política para a desapropriação, não falta para a liberação de verbas. Desde 2002, o governo irrigou os cofres dos movimentos dos sem-terra com R$ 49,4 milhões. Quase 10% desse valor está sendo investigado por possíveis irregularidades pelo Ministério Público Federal.

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"O financiamento público de movimentos
que cometem ilícito é ilegal, é ilegítimo" Gilmar Mendes,
presidente do STF

As suspeitas recaem sobre duas associações ligadas ao grupo de José Rainha. São elas: Federação das Associações dos Assentados e Agricultores Familiares do Oeste Paulista (Faafop) e Associação Amigos de Teodoro Sampaio, cidade de Rainha. No caso do MP, não falta vontade para se descobrir o destino dado a estes recursos.