20/07/2005 - 10:00
O advogado e juiz Eduardo Rodríguez Veltzé, de 49 anos, Ph.D em direito pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, é, há pouco mais de um mês, titular de um dos cargos mais instáveis do mundo, o de presidente da Bolívia. O país andino, em 180 anos de independência, ostenta um recorde pouco honroso de mais de 100 golpes militares, deposições e renúncias de presidentes. Nos últimos anos, com democracia renascida completando 20 anos de estabilidade, o país teve uma recaída. Em 2003, o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada teve que fugir após protestos de rua que culminaram em dezenas de mortos. O vice Carlos Mesa, que assumiu a Presidência no lugar de Lozada, renunciou em situação parecida. Rodríguez, presidente da Corte Suprema, herdou o cargo depois que os impopulares presidentes do Congresso, senador Ormando Vaca Díez, e da Câmara, Mário Cossío, desistiram. E o magistrado Rodríguez, 49 anos, tem sido uma grata surpresa. Marcou eleições gerais para dezembro e ganhou o apoio de quase 70% da população. Na sexta-feira 8, ele concedeu entrevista exclusiva a ISTOÉ.
ISTOÉ – No auge da crise do
 mês passado, os manifestantes protestavam especialmente contra
 o senador Ormando Vaca Díez,
 primeiro na ordem de sucessão. Os políticos levaram              o Congresso para Sucre, a centenas de quilômetros,
 para fugir dos protestos em La Paz, mas nada adiantou. E a saída              foi o
 sr. assumir. Como aconteceu?
 Eduardo Rodríguez Veltzé – Eu estava              em Sucre, pois é lá que funciona a Corte Suprema. Acompanhei              todo o processo, a chegada dos parlamentares vindos de La Paz, as              novas manifestações
 de rua. Havia um impasse. Nunca imaginei que ele chegaria a mim. De              noite, Ormando me disse que ele e Cossío tinham desistido.              E que eu deveria ser empossado em minutos. Aceitei, pensando no país,              mas reafirmei que ficaria no cargo apenas até as eleições.
ISTOÉ – O sr. assumiu a Presidência                após uma das mais graves crises
 que a Bolívia já enfrentou. Está há                um mês no cargo e anunciou eleições
 para o final do ano. Por quê? 
 Rodríguez – Acho que o fato de eu ter sempre                seguido uma trajetória fora
 da política acabou fazendo com que me tornasse um fator de                estabilidade necessário ao país. Sempre disse que                tinha uma missão bem específica:
 a de convocar eleições presidenciais dentro do prazo                constitucional de 180
 dias. E assim fiz, marcando-a para 4 de dezembro. Havia um clamor                popular
 dizendo que não bastava eleger um novo presidente e seu vice.                Era preciso
 renovar o Congresso, hoje muito desgastado. Trabalhei para que os
 parlamentares reconhecessem isso. Houve resistências e ameacei:                faço
 as eleições em dezembro e vou embora. Tiveram consciência                de que isso
 levaria a uma nova crise e, em poucos dias, as eleições                gerais foram aprovadas.
ISTOÉ – A recém-criada eleição                direta dos governadores era outra bomba
 em potencial que o sr. acabou desarmando.
 Rodríguez – Ter sido toda a vida magistrado,                sem nunca ter passado pela política, realmente me ajuda.                Imagine que essa eleição para governadores (hoje são                nomeados pelo presidente) estava marcada para agosto, daqui a menos                de 30
 dias. Seria uma loucura! Por isso estabelecemos que a eleição                governamental
 será direta e junto com as demais no final deste ano.
ISTOÉ – Em um país com longa tradição                de golpes de Estado, esta solução constitucional foi                uma surpresa?
 Rodríguez – A crise foi tão forte,                os riscos à democracia e às instituições                tão
 grandes, que o Congresso teve um amadurecimento quase que instantâneo.                Os parlamentares viram que não havia mais lugar para cálculos                e manobras políticas.
 O país precisava dessa mudança de comportamento.
ISTOÉ – A nova Lei dos Hidrocarbonetos, aprovada                em plebiscito e que elevou
 os royalties, gerando contínuos protestos, foi criticada                no exterior. Os críticos afirmam que essa lei poderá                provocar uma retração dos investimentos das empresas                petrolíferas estrangeiras, entre elas a brasileira Petrobras,                que responde por mais de 20% do PIB boliviano e já investiu                US$ 1,5 bilhão no país.
 O que o sr. acha disso?
 Rodríguez – Essa lei é resultado do                plebiscito em que a imensa maioria da nação
 foi a favor das mudanças. Temos que fazer sua regulamentação,                ajustar os contratos, que serão respeitados pelo governo                boliviano, assim como o país vem fazendo ao longo de sua                história. É preciso entender que essa lei é                uma realidade
 na Bolívia, que já sente seus efeitos benéficos.                Estamos arrecadando US$ 1,3 milhão por dia a mais. Para um                país como o nosso em crise financeira, com um déficit                fiscal de mais de 5%, esse dinheiro é vital.
ISTOÉ – A divisão entre o rico Oriente                (Santa Cruz de La Sierra e outros estados
 da região Leste) e o de maioria indígena, o Altiplano,                onde está a maior parte
 da população, é sempre apontada como causa                dos problemas da Bolívia. Existe solução para                esse impasse?
 Rodríguez – Somos um só povo, temos                raízes comuns, nossas realidades
 são complementares. O que temos que fazer é buscar                unidade em nossas diferenças. E isso é possível.                Hoje, a cidade de Santa Cruz de La Sierra abriga
 um milhão de migrantes, quase metade de sua população.                Essa migração levará
 a um tecido social uniforme, dentro de uma visão de um país                unido. Quando se
 fala em crise entre Oriente e Ocidente, creio que, na maior parte                das vezes, se
 trata de crises artificiais.
ISTOÉ – Desde a queda de Sánchez de                Lozada, as grandes cidades bolivianas, especialmente a capital La                Paz, acostumaram-se com multidões protestando
 nas ruas. Em contraste, os militares têm se mantido dentro                da lei, sem tentativas de golpe ou de violência. Esses fatores                são novos na Bolívia?
 Rodríguez – Espero que essas multidões                canalizem sua vitalidade, sua expressão de liberdade, através                do voto. Se votarem em seus próprios candidatos, em seus                líderes indígenas, vão causar um impacto na                Bolívia ainda mais forte do que sua presença nas ruas.                Quanto aos militares, quero destacar que esse comportamento exemplar                em todos momentos é muito positivo para o país e para                a democracia.
ISTOÉ – O sr. já se reuniu com todas                as lideranças bolivianas, do líder cocalero
 Evo Morales até a extrema direita e até agora foi                bem recebido. O que espera
 das eleições de dezembro?
 Rodríguez – Uma nova Bolívia, renovada                nos quadros políticos e nas
 suas esperanças.