04/03/2009 - 10:00
Não que sua descoberta mais famosa, que entrou para a história com o seu nome, não tenha sido importante. O livro prova, no entanto, que Arquimedes transitou por muitas outras áreas e deduziu fórmulas e princípios científicos que são aplicados nos dias de hoje. Entre essas antevisões está a própria linguagem que permitiu a criação e o desenvolvimento dos computadores. Os autores sugerem, inclusive, que a tradição científica ocidental poderia ter tomado outro rumo se os insights matemáticos de Arquimedes sobre conceitos como o infinito e a probabilidade não tivessem vindo à tona apenas agora.
A VIAGEM Livro conta a trajetória do manuscrito
de Arquimedes, retratado pelo pintor italiano
Domenico Fetti no séc. XVII
Ele foi uma grande influência para cientistas como Galileu Galilei e Isaac Newton, e esboçou teorias que seriam formuladas definitivamente por eles séculos depois. Entre as curiosidades desvendadas no palimpseto (pergaminho reutilizado) estão observações críticas acerca do pensamento do filósofo grego Aristóteles. Seriam esses os mais antigos comentários expressos sobre o seu trabalho – ele viveu um século antes de Arquimedes, entre os anos 384 a.C. e 322 a.C. "Encontrar comentários sobre as categorias filosóficas formuladas por Aristóteles no século III é fantástico", diz Noel.
Além de relatar todas essas descobertas, o livro refaz com riqueza de detalhes e um fascinante ritmo narrativo o longo e acidentado trajeto percorrido pelo palimpseto. Ele chegou a ser totalmente apagado e depois foi novamente utilizado em Jerusalém no século XIII por um escriba cristão chamado John Myronas.
Um fax vindo do passado
Para decodificar as palavras escritas de próprio punho pelo matemático Arquimedes, foi necessário separá-las dos tênues traços de orações medievais que também haviam sido escritas no mesmo pergaminho. Para isso foi utilizada uma moderna tecnologia de digitalização da imagem que trouxe à luz o texto oculto há milhares de anos. O trabalho durou uma década e foram precisos meses até que a primeira sentença de Arquimedes, nascido em Siracusa, na Sicília, fosse devidamente identificada: "Vislumbrar a primeira palavra de um texto de 800 anos é como receber um fax do século III a.C.", diz o coautor William Noel.
O conteúdo, de difícil leitura, se perdeu por muitas bibliotecas, sobreviveu a guerras, incêndios e saques – e todas essas passagens são relatadas com riqueza de informações históricas e mistério, o que remete o leitor às aventuras de um arqueólogo fictício no estilo de Indiana Jones. Mas, nesse caso, não há ficção, os autores reconstituem fatos reais e, enquanto narram a história do próprio livro, jogam luz sobre a evolução da ciência nesse mesmo período. O último endereço do palimpseto de Arquimedes foi a biblioteca de Copenhague, na Dinamarca. No dia 16 de julho de 1907, o jornal The New York Times estampa a manchete: "Professor dinamarquês descobre novo manuscrito de Arquimedes."
Em estado lamentável, com diversas páginas destruídas pelo mofo e pelas traças, o valioso documento se perde novamente no período entre guerras. Seria encontrado em Paris e então enviado à casa de leilões Christie’s de Nova York. E de lá para o laboratório de especialistas em imagens, onde foi submetido a um trabalho de recuperação de oito anos. Ao restaurar esse Códex de Arquimedes, os pesquisadores finalmente conseguiram reunir e abarcar todo o pensamento do matemático de Siracusa. E talvez esse seja o principal motivo de comemoração: "O pergaminho reproduz o cérebro de Arquimedes", diz Noel.
Decifrá-lo só foi possível devido a uma sofisticada técnica de leitura que permite identificar traços mais finos que a oitava parte de um fio de cabelo. Alguns tratados, como O método dos teoremas mecânicos, só existem, na íntegra e no original, em grego, nesse livro que agora pode ser lido e está disponível para consultas no museu americano. Que, com orgulho, apelidou-o de "a oitava maravilha do mundo".