Ele piscou três vezes e cochilou. Súbito, lutou contra o sono. Piscou mais três vezes e pescou de novo. Não conseguiu dizer palavra em sua voz embolada. E aí deu uma dormida mais longa, quase batendo a cabeça no microfone pelo qual concedia uma entrevista coletiva, no sábado 14, em Roma, durante encontro do G7 – o grupo dos sete países mais industrializados.

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O vídeo é um sucesso no YouTube. Mas para o protagonista, o ministro das Finanças do Japão, Shoichi Nakagawa, não teve graça. Custoulhe o cargo. A oposição apontou o excesso de bebida como causa da sonolência pública. Ele disse que foi uma dose forte de remédio contra a gripe. Não convenceu a nação. Mais tarde, admitiu ter tomado "um gole de vinho".

Em que pese a grande proximidade de Nakagawa com o primeiro-ministro Taro Aso, o fato de ele ter dado resposta truncada com fala arrastada a uma pergunta feita ao presidente do banco central, que estava a seu lado na coletiva, fortaleceu os argumentos da oposição. Com receio de arranhar mais a imagem de Aso, com a popularidade em baixa em ano eleitoral, o ministro renunciou na terça-feira 17. Nakagawa foi apenas mais uma vítima do terremoto financeiro. Além do valor dos ativos, a crise tem sido implacável com o primeiro escalão de governos mundo afora (leia quadro abaixo).

O Ministério das Finanças será acumulado pelo ministro da Economia, Kaoru Yosano, de 70 anos. O desafio de Yosano é grande: reagir à pior crise econômica dos últimos 35 anos. A economia japonesa encolheu 3,3% no último trimestre, aprofundando a recessão, que persiste desde novembro de 2007. No último trimestre de 2008, o Japão já havia retraído 12,7% – repetindo performance da grave crise do petróleo da década de 1970. Segunda maior economia do planeta, o Japão depende em grande parte das exportações devido ao perfil cultural de seu povo, que é afeito à poupança e consome menos do que permite sua capacidade de renda.

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A crise obrigou o país a lançar um programa de incentivo ao repatriamento dos decasséguis – brasileiros descendentes de japoneses que vivem no país asiático. De acordo com a embaixada do Japão, há cerca de 320 mil brasileiros vivendo na nação de seus pais ou avós. A ideia do governo japonês é promover um "retorno harmonioso" deste grupo populacional ao Brasil, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelo Japão para criar vagas de trabalho nestes últimos anos. Aso, que já morou no Brasil, criou uma equipe específica para tratar do tema dos estrangeiros.

As grandes empresas japonesas estão conseguindo resistir à crise. A Toyota, recentemente, passou a americana General Motors e tornou-se a maior fabricante do planeta. Em vários setores as marcas japonesas mostram-se competitivas, como a Nintendo (games), a Shimano (bicicletas) e a Nikon (câmeras). Mas há problemas estruturais e dezenas de falências, sobretudo nas médias empresas. No Japão, o retorno líquido é menos da metade daquele verificado nas firmas dos Estados Unidos e da Europa. A produtividade é baixa. O panorama é bem diferente da década de 1950, quando a indústria japonesa deu um salto de qualidade e impôs ao mundo seus produtos modernos. Os especialistas atribuem o problema ao perfil de gigantismo das empresas japonesas, que se recusaram a terceirizar funções e estariam desfocadas, atuando em muitos segmentos. Ou seja, Nakagawa não teria sido o único a dormir na crise.