13/07/2005 - 10:00
Numa mesa de bar de praia, apinhada de cervejas, uma Maria Bethânia na flor dos 21 anos fuma um cigarro atrás do outro enquanto canta alguns sambas hoje clássicos, acompanhada do violão de um também jovem Paulinho da Viola – sem camisa e surpreendentemente falador. Em outra mesa de bar, este mais suburbano, o violonista Baden Powell e a cantora Clementina de Jesus observam Pixinguinha cantar em francês, para um parisiense boquiaberto, o tema com que apresentava ao público da Cidade-Luz o seu grupo, os Batutas, nos idos de 1921. O francês boquiaberto chama-se Pierre Farouh, hoje com 71 anos, cuja paixão pela música brasileira tornou possível a reunião destas cenas antológicas no documentário Saravah, de 1969, pela primeira vez ao alcance dos brasileiros com a edição em DVD pela gravadora Biscoito Fino. A propósito: Saravah foi também o nome que Farouh deu para a versão francesa que fez de Samba da bênção, de Baden e Vinicius de Moraes.
São apenas 62 minutos de seqüências soltas. Mas o que Farouh – chansonnier, ex-marido de Anouk Aimée e ator de Um homem, uma mulher, de Claude Lelouch – conseguiu gravar em apenas três dias de Carnaval no Rio de Janeiro e em Niterói está entre as mais preciosas imagens da história da música popular brasileira. Vestido de terno de linho branco, gravata preta plastrom e sapato bicolor, João da Baiana tira som do prato com a ajuda de uma faca e explica para Farouh que o candomblé tem origem na África francesa e a macumba, nos países de colonização portuguesa. Para ilustrar sua tese, canta Que quere que que, de sua autoria, e Yaô, de Pixinguinha e Gastão Vianna. “Cantei a macumba em Angola e agora falei em candomblé”, comenta com o francês, enquanto interrompe, cansado, o samba no pé. “Estou velho do coração”, brinca para a câmera.
Também à vontade aparece Maria Bethânia, que engata um longo papo musical com Paulinho da Viola, dando sua versão para Coração vulgar, de autoria de Paulinho, entre outras. “Fenece é a palavra mais linda do mundo”, comenta, depois de cantarolar o verso “Um verdadeiro amor nunca fenece”. Mais adiante, acompanhada do piano de Luiz Carlos Vinhas e do trombone de Raul de Souza, a baiana solta a voz em Baby e Tropicália, ambas de Caetano Veloso. “Ele lá em Londres e eu aqui, desesperada”, comenta. E na seqüência, vem com Frevo nº 1 do Recife, de Antônio Maria, e com uma rara interpretação de Pra dizer adeus, de Edu Lobo e Torquato Neto, tocando um violão com extrema sensibilidade.