13/07/2005 - 10:00
A democracia está consolidada e não há risco de crise institucional. Mas os danos ao PT e ao presidente Lula são irreversíveis, abrindo espaço para uma diáspora petista, para a reorganização das forças políticas e para nomes até agora afastados das especulações sobre a sucessão, que dificilmente resultará na reeleição. São as impressões gerais de cinco intelectuais convidados por ISTOÉ para um debate, na terça-feira 5, na sucursal do Rio de Janeiro. Durante duas horas, eles analisaram o terremoto provocado pela CPI dos Correios, propuseram reformas e ações políticas, e tentaram antecipar tendências do eleitorado. O grupo foi composto pelo sociólogo Hélio Jaguaribe, do Instituto de Estudos Políticos e Sociais, pelos cientistas políticos Antônio Carlos Peixoto (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Eurico Figueiredo (Universidade Federal Fluminense) e Maria Celina D’Araújo (Fundação Getúlio Vargas) e pelo analista César Benjamin, da editora Contraponto.
O presidente concluirá o mandato? A primeira pergunta divide as opiniões, mas a maioria acha que Lula não tentará a reeleição. “É a mais séria crise política da República, porque a frustração matou a esperança da chegada de um líder operário ao poder”, diagnostica Hélio Jaguaribe. A ponderação vem de Eurico Figueiredo, que vê em Lula condições de vencer em 2006, desde que assuma o erro por não ter agido antes, afaste todos os suspeitos e passe a governar com total transparência para ganhar a dimensão de estadista. Figueiredo admite outros dois cenários: o pior, com renúncia ou impeachment, ou uma convivência desgastante com a crise, resultando na polarização das eleições de 2006 entre o PSDB e outro candidato, como o ex-governador Anthony Garotinho (PMDB), que dividiriam os votos dos petistas frustrados. Maria Celina prefere ressaltar a possibilidade de Lula não concluir o mandato, embora “ninguém queira este desfecho”. Para ela, o presidente se mostrou inapto para governar. “A renúncia é uma perspectiva mais plausível do que o impeachment. Ele ficou a pé.”
De fora – Antonio Carlos Peixoto concorda que Lula mostrou falta de talento para administrar e dá um conselho: uma declaração solene de que não disputará a reeleição. “Isso acalmaria os adversários e poderia conter a crise.” O PT lançaria em 2006 um nome das correntes menos atingidas pelas denúncias, como os senadores Eduardo Suplicy (SP) e Cristovam Buarque (PT). Peixoto lança um alerta, com a concordância dos demais: é preciso cuidado com o denuncismo exacerbado. “A tolerância com a corrupção deve ser zero, mas as reformas não devem ser feitas só com a bandeira do honestismo. Isso pode desestruturar o quadro e abrir caminho para um aventureiro”, afirma, lembrando a eleição de Sílvio Berlusconi na Itália como um dos frutos da operação Mãos Limpas. Os debatedores vão mais longe e recordam desastres que começaram sob o signo da moralidade, como nazismo, fascismo, franquismo, suicídio de Vargas, eleições de Jânio Quadros e de Fernando Collor, e golpe de 1964.
É neste momento que ingressa no debate Cesar Benjamin. Fundador do PT e um dos cérebros da campanha de 1989, Cesinha deixou o partido há dez anos em pé de guerra com a tendência Articulação, que classifica como “ovo da serpente”. As práticas corruptas de hoje seriam “o desdobramento de uma ação sistêmica da qual Lula tinha amplo conhecimento, financiamentos heterodoxos em uma escala que o partido não conhecia”. A esquerda brasileira coleciona erros históricos, ressalta Benjamin, mas nunca esse tipo de prática. “(Karl) Marx falava no ‘poder dissolvente’ do dinheiro. A esquerda não teve estrutura para resistir a esse poder. Lamento que tudo tenha chegado a público não pela esquerda, mas pelo Roberto Jefferson. Todos se acomodaram.”
Para o ex-petista, o vazio pós-PT pode abrir espaço para uma força que vocalize o anseio por uma “alternativa ao liberalismo” de Fernando Henrique e Lula. Cita nomes que poderiam liderar uma aliança da classe média com os pobres: o vice José Alencar (PL), a senadora Heloísa Helena (PSol) ou Garotinho. Tem a concordância dos debatedores quando afirma que o crepúsculo do PT, após 25 anos de construção de sua hegemonia, pode ser o fim de mais um ciclo da esquerda brasileira. Ele identifica os pólos desta diáspora em três vertentes: a esquerda do PT, o PSol e o campo dos movimentos sociais.
A unanimidade mais visível entre os intelectuais é a necessidade da reforma política. Jaguaribe defende voto distrital, fidelidade e dispositivos para formar maiorias estáveis, inclusive o parlamentarismo. O sistema atual seria inviável e esquizofrênico. “O PSDB é centro-esquerda e se alia ao PFL, de centro-direita, e o PT, de esquerda, se junta a partidos malandros e fisiológicos, pagando com a respeitabilidade ética.” Sua defesa mais apaixonada é da aliança PSDB-PT. “Mas alguém precisa convencer Fernando Henrique de que ele fez uma gestão neoliberal e só pode entrar na História como desenvolvimentista se liderar esta frente com Lula, a grande solução do Brasil.”
Os planos da equipe econômica de comprimir ainda mais os gastos públicos com vistas ao déficit nominal zero, na avaliação de Benjamin, é um caminho oposto ao do desenvolvimento. “Seria o fim antecipado do governo.” Ele acha que Lula radicalizou nas medidas neoliberais, pró-elites, e ampliou as ações assistenciais para os pobres. “Mas não houve a aliança com a classe média nem projeto estratégico de nação que englobe as grandes massas dos centros urbanos.” Isso acontece, segundo Jaguaribe, porque os políticos só conseguem ver duas opções: liberalismo ou populismo. “É um suicídio o Brasil não enxergar um caminho diferente.”
Maria Celina frisa que não há crise institucional: “O problema é do PT e sua inabilidade, não do Brasil, e não devemos correr feito loucos para fazer uma reforma movida a Roberto Jefferson.” Antônio Carlos Peixoto pondera que a crise prova a inviabilidade das regras atuais: “A forma pela qual o Executivo compõe maioria é uma crise em si mesmo.” O inchaço artificial das legendas aliadas, estimulado pelo governo, e a compra de deputados para controlar o Legislativo, segundo ele, “atentam contra o princípio constitucional da independência dos Poderes”.
Os intelectuais acham que, paradoxalmente, a crise pode render bons frutos para a democracia, pois aumenta a consciência de que é hora de mudar as regras do jogo. Não para garantir a sobrevivência dos que protagonizam a cena política, mas para tirar a política do mundo dos mensalões. A indignação com as denúncias de corrupção mostrou a ojeriza do País às práticas “não republicanas” – termo popularizado justamente pela figura que tem atraído mais acusações sobre esse tipo de negociata, o deputado Roberto Jefferson. Eurico Figueiredo ressalta que “nenhum país deu, em tão pouco tempo, tantas respostas à demanda pelo combate à corrupção”. Ele diz que só se poderia falar em crise institucional se entrasse em ação um ator que está totalmente fora do jogo: as Forças Armadas. “É até anacrônico falar sobre isso porque os militares não têm projeto de poder nem autoridade para entrar no processo”, reforça Maria Celina. Ela também descarta a eleição de um aventureiro em 2006, fora dos partidos com capilaridade nacional. “Nossa fase de aventuras já acabou.”