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NO SÍTIO
A equipe de Svante Pääbo,
na Espanha: show da ciência

Quando os primeiros humanos chegaram à Europa e à Ásia, há 40 mil anos, aquela terra já era habitada por outros indivíduos – os neandertais viveram por 150 mil anos nessa região. Eles eram baixos e musculosos (1,60 metro e 84 quilos em média), tinham o queixo recuado e faces alongadas e projetadas para a frente. A caixa craniana baixa, e também comprida, abrigava um cérebro maior que o nosso. Com eles, dividimos um ancestral comum, separado em espécies diferentes há quase 700 mil anos (leia quadro abaixo).

Desde que os primeiros ossos do homem de neandertal foram encontrados em 1856, na Alemanha, no Vale de Neander (Neanderthal, em alemão), a ciência tenta responder a inúmeras perguntas a respeito da espécie. Na semana passada, um grupo internacional de pesquisadores conseguiu um feito notável. Liderados pelo geneticista sueco Svante Pääbo, conseguiram pela primeira vez sequenciar o genoma de um ser extinto – exatamente o nosso primo neandertal. “Isso nos dá uma nova perspectiva da relação entre eles e os primeiros humanos – uma perspectiva genética”, diz Ed Green, professor de engenharia biomolecular da Universidade da Califórnia e um dos autores da pesquisa. “Agora, podemos nos concentrar nas regiões do nosso genoma que parecem ser diferentes do deles para identificar o que nos torna verdadeiramente humanos”, afirmou Green à ISTOÉ.

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TESOUROS
Três ossos encontrados em uma
caverna croata serviram de base para o estudo

Os últimos vestígios do homem de neandertal datam de 28 mil anos, pouco tempo depois da chegada à Europa do Homo sapiens, vindo da África. São ferramentas de pedra e restos de carvão encontrados na gruta de Gorham, em Gibraltar. Entre as possibilidades para a extinção da espécie cogitam-se uma queda extrema de temperatura, um massacre cometido pelos seres humanos e o próprio comportamento de nossos primos. A vida em grupos pequenos, nos quais a colaboração entre os membros era pequena e as armas e utensílios menos eficientes que as dos humanos, pode ter contribuído para que o “homem das cavernas”, como ficou conhecido, desaparecesse.

Para realizar o estudo, os pesquisadores analisaram três ossos encontrados em uma caverna na Croácia. Eles compararam o material colhido com o de cinco humanos atuais, de diferentes partes do mundo. A sequência estudada equivale a 60% do genoma do neandertal. Para consegui-la, os pesquisadores retiraram o mínimo de material possível das amostras, usando uma broca de dentista. Para evitar contaminação com o DNA dos cientistas, os testes foram conduzidos num laboratório estéril, totalmente livre de micro-organismos. Micróbios, que tomaram conta dos ossos desde que os indivíduos morreram, também foram eliminados.

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Uma diferença mínima – de 0,1% a 0,5% – separa o DNA do Homo neanderthalensis do DNA do Homo sapiens. É a mesma variação (até 0,5%) que existe entre os 6,7 bilhões de pessoas da Terra. Portanto, você pode ser mais próximo dos neandertais do que de seu colega de trabalho. Isso pode ser explicado pelo ancestral comum que originou as duas espécies.  Outra tese, ainda contestada, defende que o cruzamento entre eles e os humanos pode ter ocorrido. O gene dos cabelos ruivos, presente em 2% da população, por exemplo, é o mesmo dos homens das cavernas. Outro gene comum entre as duas linhagens é o da fala – o que diz muito sobre a possibilidade de os nossos primos se comunicarem pelo som.

Os cientistas procuraram por regiões do nosso genoma em que novos genes – diferentes dos presentes nos neandertais  – se espalharam pela população desde que as duas espécies se separaram. Eles podem ter sido os responsáveis por tornarem os primeiros humanos mais aptos à sobrevivência e reprodução. Por isso, os cientistas buscaram variações que ocorrem frequentemente entre nós, mas que não ocorriam nos antigos seres das cavernas. Foram encontradas 212 regiões com essa variação. Em 20 delas, foi detectada a presença de genes que afetam o desenvolvimento mental e cognitivo ao sofrerem mutações. Eles estão relacionados a males como a síndrome de Down, a esquizofrenia e o autismo. “Entender os detalhes disso tudo continua sendo um objetivo para o futuro”, diz Green. “Mas agora, com o sequenciamento feito, nós sabemos onde procurar.”

Outras regiões entre as 20 selecionadas incluem dois genes, um envolvido no metabolismo e outro que afeta o desenvolvimento do crânio, da clavícula e da caixa torácica. A presença deles nos fez mais aptos para sobreviver do que os neandertais? Segundo a ciência, ainda é cedo para dizer. “Não sabemos que benefícios eles podem nos ter dado, mas estamos tentando avidamente deduzir isso”, afirma Green. O primeiro passo para conseguir essas respostas foi dado. O estudo deu origem à inédita versão de um catálogo de características genéticas presentes em todos os humanos atuais, mas que não são encontradas em neandertais ou macacos. A tabela ficará disponível para os cientistas que estudam o que de fato nos diferencia de outras espécies.

Além de revelar quem realmente somos e o que nos torna diferentes de outros seres, as descobertas trazem uma gama de informações que pode nos ajudar a sanar problemas que nos afetam profundamente, como as doenças genéticas. Os neandertais, vistos como brutamontes até se descobrir que usavam adereços e pinturas corporais, podem não ter sobrevivido a nós ou ao ambiente inóspito. Mas, milhares de anos depois de sumirem da face da Terra, estão nos ajudando a evoluir em nosso conhecimento.

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