18/02/2009 - 10:00
Ela foi socorrida apresentando no corpo uma centena de ferimentos. Contou que recebeu chutes e, em um ato de covardia de seus agressores, vestidos de preto e de cabeças raspadas, teve pernas, braços, barriga e costas retalhados por um canivete. Pior: estava grávida de três meses de gêmeas e, após a violência, perdera os bebês. A história narrada pela advogada pernambucana Paula Oliveira, que vive na Suíça há dois anos, choca pela violência.
De casamento marcado para o mês que vem com um consultor de investimentos suíço, Paula conta que falava em português pelo celular com sua mãe quando foi cercada por três homens com aparência neonazista – um deles tinha a suástica tatuada na nuca – perto de uma estação de trem a três quilômetros da capital, Zurique. Ao final do ataque, na segunda-feira 9, os criminosos teriam escrito nas coxas da brasileira a sigla SVP (Partido Popular Suíço) com canivete. Paula, que não foi roubada nem molestada sexualmente, e está legalmente na Suíça como funcionária da empresa dinamarquesa Maersk, seguiu para um banheiro público, onde teria abortado. Foi socorrida no local por policiais, mas em vez de encontrar amparo encontrou desconfiança. Eles colocaram em dúvida sua história, sugerindo autoflagelo.
Para o governo brasileiro, porém, os elementos do caso indicavam preconceito contra uma imigrante. "Trata-se de um ataque xenófobo", afirmou Vitória Cleaver, consulesa do Brasil em Zurique, assim que passou a acompanhar as investigações. "Minha filha está em estado de choque e eu, sob efeito de tranquilizantes", indigna-se o pai da advogada, o assessor parlamentar Paulo Oliveira, que viajou ao país para dar suporte a Paula. O caso repercutiu no mundo todo. Aqui, o chanceler Celso Amorim levantou a possibilidade de sanções contra o governo suíço e de denunciar o caso à Comissão de Direitos Humanos da ONU. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou, na quinta-feira 12: "Não podemos ficar calados diante de tamanha violência contra uma brasileira."
CORTES Paula teve o corpo marcado com a sigla do SVP,
partido de extrema direita do país
O cenário com contornos de ataque xenófobo, porém, ganhou um novo elemento na sexta-feira 13, enquanto Paula, ainda no hospital, recebia remédios contra dor e atendimento de psicológico e obstetras. Em entrevista na sede da polícia de Zurique, Walter Bar, diretor do Instituto de Medicina Forense da Universidade da capital suíça, afirmou, a partir de exames de legistas e ginecologistas, que no momento da agressão a brasileira não estava grávida. A madrasta dela, Jussara Britto, que mora no Recife, afirma que a afilhada esperava gêmeas.
"Ela chegou a enviar o ultrassom para a gente, por e-mail", conta. Bar foi mais longe: "Minha conclusão é de que ela mesma fez os ferimentos." Segundo ele, as partes do corpo machucadas estão todas ao alcance da mão de Paula, não existem cortes profundos, o que pela violência relatada deveria haver, e áreas sensíveis às mulheres, como seios e genitais, foram preservados. Ao contrário do que sustenta Bar, Jussara diz que a enteada tem ferimentos nas costas. "Daqui a pouco vão arranjar um cúmplice para Paula para explicar esses cortes", revolta-se Jussara. A polícia da Suíça, país onde um terço da população se declara xenófoba, segue investigando o caso. A brasileira já foi interrogada duas vezes.
Uma onda de xenofobia varre a Europa. A crise econômica e o desemprego têm servido como álibis para que ativistas e políticos nacionalistas defendam medidas racistas. Na Suíça, um referendo foi aprovado, um dia antes do suposto ataque à brasileira, para a livre circulação de cidadãos de países da União Europeia. Partidos de extrema direita, como o SVP, protestaram. Na Suíça, 113 casos de racismo foram registrados em 2007, 30% a mais do que no ano anterior.
Na Itália, a política anti-imigração é radical. A legislação tacha como "vagabundos" imigrantes sem teto e estabelece pena de quatro anos de prisão para estrangeiros com ordem de expulsão e que, ainda assim, permanecem no país. Mais: há duas semanas, o Senado aprovou uma medida para que médicos delatem os ilegais. Em Roma, no mês passado, um indiano de 35 anos foi espancado e queimado por três jovens. O próprio presidente italiano, Giorgio Napolitano, admitiu que fatos como esse devem ser encarados como "uma tendência que está crescendo". E, infelizmente, não é apenas na Itália.