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BLOCO NA RUA "Sou movido pela crença na bonança do amanhã",
diz o carnavalesco Milton Cunha, que comanda 500 pessoas na Viradouro

Dificuldades todo mundo tem: desilusão amorosa, perda de alguém querido, problemas financeiros, descontentamento no trabalho… Apesar disso, algumas pessoas realizam projetos e prosperam, enquanto outras deixam de desempenhar tarefas importantes que podem fazer a diferença entre o fracasso e o sucesso da vida pessoal e profissional. Entre um extremo e outro, há (ou falta) um combustível chamado motivação. Qual é a força propulsora que leva o ser humano a realizar projetos, postergálos ou simplesmente deixar de cumprilos? A motivação – vontade, determinação e esforço para atingir uma meta – está diretamente relacionada à definição de objetivos na vida, concluiu uma pesquisa da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), que será apresentada em agosto em congresso da Associação Americana de Gerenciamento, em Chicago. Estudiosos do mundo se debruçam sobre o tema para tentar entender o que faz uma pessoa ir para a frente e outra, com o mesmo potencial, estacionar na vida.

Segundo o pesquisador Sean Mc- Crea, da universidade de Konstanz, na Alemanha, até mesmo pessoas motivadas podem se perder com distrações e deixar para depois o que poderiam fazer agora. McCrea e seu grupo descobriram, em pesquisas recentes, que há uma tendência generalizada em realizar tarefas práticas de forma imediata e a postergar atividades abstratas. Os pesquisadores recrutaram estudantes e pediram que respondessem a questionários em um determinado prazo. O resultado, publicado em dezembro na revista Psychological Science, revelou que quase todos os entrevistados que tiveram de responder a perguntas concretas cumpriram o prazo, enquanto mais da metade dos que se depararam com questões abstratas deixou de responder. "Concluímos que pensar nas tarefas de forma concreta motiva a fazer planos específicos para realizálas", explicou McCrea à ISTOÉ.

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FOCO Camila Fernandes se envolve com atividades com as quais sabe que pode fazer diferença e gerar
resultados reconhecidos. "Não consigo me lembrar de alguma coisa de que tenha desistido", diz

No Canadá, pesquisadores da Universidade de Alberta fizeram outro levantamento e chegaram a conclusões semelhantes – ainda que a proposta não fosse executar trabalhos práticos. Eles pediram a um grupo de trabalhadores (no caso, enfermeiros) que pensasse o significado de suas tarefas profissionais: importância, a quem beneficia, a forma com que cada um contribuía para o resultado final e as vantagens de um serviço benfeito.

"Somente o fato de pensar fez com que as pessoas se tornassem inspiradas com o trabalho, e isso as motivou", diz a consultora Val Kinjerski, uma das autoras do estudo, que trabalha com a cultura da produtividade nas organizações. Além de aumentar a satisfação dos trabalhadores, o workshop reduziu as faltas em 60%. A moral da história é bem simples: "Ninguém consegue se motivar se não sabe o que quer", resume a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR.

O primeiro passo para agir é, portanto, conhecer os objetivos e desejos. E, na sequência, estabelecer aonde se quer chegar. Quando David Portes abandonou a colheita da cana-deaçúcar na cidade de Campos, no Rio de Janeiro, aos 28 anos, ele sabia muito bem o que buscava na capital.

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Vitorioso O técnico Bernardinho sabe motivar a equipe.
"A desmotivação, muitas vezes, vem do fato
de que a pessoa já bateu todas as metas. A gente nunca
‘é’ campeão, a gente ‘está’ campeão", diz

"Eu tinha um sonho: ter uma família, um trabalho e um lugar digno para morar", diz. Mas, depois de alguns meses na cidade, estava desempregado e dormindo na rua com a esposa grávida. "Cheguei ao fundo do poço", lembra. Um dia, com apenas R$ 12 emprestados no bolso, ele decidiu usar o dinheiro para comprar balas. Vendeu-as pelo dobro do preço e duplicou o capital. Nascia, naquele momento, um negociante. Portes abriu uma banca de camelô, realizou sorteio de bicicletas entre os consumidores e, por fim, criou um cartão de fidelidade para atrair clientes. "Pensava todo o tempo que tinha de perseverar em busca do meu objetivo", diz. Hoje, aos 51 anos, é dono de um restaurante, um café e uma empresa de marketing, além de manter a antiga banca e viajar o mundo dando palestras sobre técnicas de vendas.

A personalidade do ex-camelô reflete exatamente as características básicas da pessoa motivada. Uma delas é prioritária: a capacidade de visualizar mentalmente o resultado final de uma tarefa, em vez de focar nas dificuldades e problemas que surgem durante o processo. A flexibilidade e a criatividade para lidar com situações adversas são fundamentais para isso. O técnico de vôlei e campeão olímpico Bernardinho, atualmente coordenador do Centro Rexona-Ades de Voleibol, é um notório vencedor de obstáculos. Tanto que vive dando palestras sobre motivação para executivos. "A desmotivação, muitas vezes, vem do fato de que a pessoa já bateu todas as metas, conquistou de tudo e passa a acreditar que é permanentemente campeão. Vale lembrar que a gente nunca ‘é’ campeão, a gente ‘está’ campeão", ensina.

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Dicas como a de Bernadinho estimulam a "correr atrás" – como pregam, aliás, os livros de autoajuda que vendem como pão quente. Fazem tanto sucesso porque a maioria das pessoas reconhece ter uma tendência à inércia e precisa de alguns empurrõezinhos.

Em Mude ou morra: as três chaves da mudança no trabalho e na vida, o americano Alan Deutschman diz que as chances de uma pessoa permanecer no mesmo lugar, embora confrontada com uma necessidade real de mudança, são de nada menos que 90%. A pedagoga Daniele Araújo Batista sabe bem o que isso significa: ela passa os dias em casa e diz que sente uma "desmotivação total". Daniele está desempregada há cinco anos. "Fico de mau humor e não tenho vontade de fazer nada", reconhece. Para a psicóloga Roseana Ribeiro, especializada em terapia familiar e técnicas de motivação e mudança, Daniele pode reverter a situação com ajuda profissional. "Se isso for devidamente aguçado, trará benefícios", aposta.

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AS CENSÃO David Portes chegou a dormir na rua ao se mudar
para o Rio. Mas seguiu firme suas metas e, de camelô, virou empresário.
"Pensava todo o tempo que tinha de perseverar", diz

Outros especialistas alertam para a possibilidade do autoboicote: "Nem sempre querer é poder", ressalta a professora de psicologia carioca Eliana Vianna. De acordo com ela, muitas vezes, a pessoa pode achar que quer uma coisa, mas, no fundo, não quer.

"Existem casos clássicos de mulheres gordas casadas com homens inseguros. Elas tentam emagrecer, mas não conseguem – ou não querem? Talvez, porque isso possa gerar um conflito no casamento", afirma. Casos como esses mostram falta de clareza de objetivo. A cantora pernambucana Cláudia Holanda, 33 anos, é o oposto disso. Ela trabalha em uma assessoria de comunicação, mas luta por seu sonho de ser cantora. "Ter duas atividades diferentes faz com que uma dê motivação para a outra", acredita Cláudia, que já gravou dois CDs independentes. Além de compor canções, ela está escrevendo um livro, faz ioga, acupuntura e pós-graduação em relações internacionais. Além de manter o foco, a empresária Lúcia Freitas, 43 anos, dona de uma empresa de comunicação e eventos, aposta em uma rotina bem estruturada para obter bons resultados. Com os afazeres definidos, ela elege prioridades. "Conto com a ajuda de uma planilha excel e uma agenda eletrônica", explica.

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Para atingir o sucesso profissional, a consultora em recursos humanos Leyla Nascimento alerta: "O plano de carreira deve ser construído a partir do foco na perspectiva de longevidade.

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AUXÍLIO Desmotivada, Daniele Araújo está sem emprego há cinco anos.
"Fico de mau humor e não tenho vontade de fazer nada",
diz. Nesses casos, recorrer à ajuda especializada pode ser a solução

"Diretora-executiva do Instituto Capacitare, que atua no planejamento de carreiras, ela aconselha a colocar no papel as metas profissionais e, depois, pensar no que é preciso para alcançálas. Mas, claro, nem sempre tudo dá certo. Tomar os erros e fracassos como oportunidade de reflexão sobre a vida pode ser uma importante fonte de motivação. "Faça as pazes com a imperfeição", sugere o consultor de stress americano Richard Carlson (falecido no ano passado), no bestseller Não faça tempestade em copo d’água… Isso, pelo menos, poderia reduzir o índice de frustração e consequente hábito de postergar tarefas. Segundo o canadense Piers Steel, professor associado de recursos humanos e dinâmicas organizacionais na Universidade de Calgary, esse costume é antigo. Ele mede os índices de inatividade crônica desde a década de 70. Seu último levantamento, em 2002, mostrou que cerca de 60% das pessoas costumavam postergar atividades, e 6% faziam isso frequentemente.

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ORGANIZAÇÃO Lúcia Freitas, dona de uma empresa de comunicação e eventos em São Paulo,
aposta em uma rotina bem estruturada. Com os afazeres definidos, ela elege prioridades

Para o carnavalesco Milton Cunha, 46 anos, coordenador de produção de fantasias e carros alegóricos da escola de samba Viradouro, no Rio, o pensamento positivo é sua força motriz. "Sou movido pela crença na bonança do amanhã", diz. Cunha comanda 500 pessoas que constroem os carros alegóricos e fantasias da escola, mas não deixa de fazer uma coluna de jornal, um blog, programas na tevê e rádio, além de coordenar um curso de design de carnaval na Universidade Veiga de Almeida e de militar no movimento gay. Usa a mesma estratégia para se estimular e também aos outros. "É preciso animar com a fala alegre e a energia positiva", afirma. Segundo o psicanalista Sergio Cyrino, da Federação Brasileira de Psicanálise, ele está certo em se envolver com grupos. "O isolamento provoca a apatia", diz ele.

O reconhecimento e a gratificação também são fundamentais para alguém sentir o desejo de realizar tarefas. "A pessoa que tem suas iniciativas valorizadas tende a ser capaz de tomá-las", afirma o psicólogo comportamental Enrique Maia. É o mote da paulistana Camila Fernandes, 25 anos, que procura se envolver apenas com atividades com as quais sabe que pode fazer diferença e gerar resultados reconhecidos. Formada em hotelaria, ela trabalha em uma consultoria econômica, cursa a Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) e, nos fins de semana, é professora voluntária de dança. Persistente e idealista, Camila afirma: "Não consigo me lembrar de alguma coisa de que eu tenha desistido." Segundo o estudo da International Stress Management Association no Brasil, o sentimento de controle sobre a própria vida é peçachave na composição de uma pessoa motivada. A maioria delas tem o dom de manipular as conjunturas desfavoráveis em benefício próprio. Ninguém está dizendo que isso é fácil, mas só consegue quem tenta.