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SOLIDÁRIOS
Laura e seu marido, George W. Bush, no gramado da Casa Branca:
felizes, apesar das tensões

Já se tornou uma tradição entre as ex-primeiras-damas nos EUA: relatar, com elegância e olhar privilegiado, o que se passou nos bastidores do poder. Testemunha e coadjuvante de um dos governos mais controvertidos e criticados dos últimos tempos, Laura Bush, mulher de George W. Bush, estava devendo o seu depoimento desde janeiro de 2009, quando ele deixou a Casa Branca após oito anos de mandato. A demora surtiu efeito: a chegada na semana passada às livrarias americanas das memórias “Spoken from the Heart” (Do Fundo do Coração) está sendo saudada como uma grande surpresa nesse ritual tão americano quanto assar um peru no Dia de Ação de Graças. A perspectiva de se adentrar na vida do casal e descobrir, por exemplo, se Laura apoiava as retrógradas atitudes do marido aguça a curiosidade de republicanos, democratas e de qualquer outro cidadão apartidário. No período em que viveu na Casa Branca, ela desempenhou o seu papel à moda antiga: restringiu-se a ser uma companheira fiel e solidária ao seu polêmico marido e, em razão dessa discrição, pouco se soube de suas posições pessoais. Agora, no entanto, sua personalidade de ex-professora e bibliotecária texana que saltou do ambiente provinciano para o palco das decisões políticas vem à tona de forma calma, ponderada e, claro, conservadora.

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Esse perfil, embora contraste com o de sua antecessora, Hillary Clinton, braço forte do ex-presidente Bill Clinton e hoje secretária de Estado na gestão Barack Obama, foi bem aceito pela população – os índices de popularidade de Laura ultrapassaram os 70%, enquanto Hillary registrou 56% de aprovação pelos americanos. No livro, ela lembra momentos marcantes de sua vida, desde a infância e a juventude na cidade de Midland, no Texas (a mesma de Bush), até o apogeu como primeira-dama. Uma das grandes revelações não diz respeito ao marido, mas a um amigo de escola, Mike Douglas, morto em um acidente automobilístico provocado por ela aos 17 anos, quando avançou um sinal vermelho e bateu em outro carro. Segundo Laura, o fato a deixou devastada e com um implacável sentimento de culpa por muitos anos. À riqueza de detalhes sobre o passado mais distante contrapõe- se a economia de palavras após o seu matrimônio – tardio, segundo ela. Laura casou-se aos 31 anos e descreve o romance como o encontro da “velha solteirona com o mais cobiçado bom partido da cidade” – Bush é o primogênito de uma tradicional família texana.

Sem grandes novidades sobre as concepções de mundo do casal, “Spoken from the Heart” surpreende nos momentos em que ela descreve sua relação com o sogro, George Bush, e sua mulher, Barbara (também um ex-presidente e uma ex-primeiradama), marcada por encontros formais e pouco contato íntimo. Sobre a convivência com a sogra, por exemplo, ela conta: “Nós duas amamos George e esse profundo sentimento é a única coisa que temos em comum.” Ao se debruçar nos momentos passados na Casa Branca, o relato ganha cores mais vivas, como a descrição de uma repentina fuga do casal para o abrigo antiaéreo semanas após os atentados de 11 de setembro, aconselhada pelos seguranças. Laura conta também que a tradição presidencial de dormir em quartos separados foi mantida. Mescla esses detalhes uma rica enumeração de viagens diplomáticas e de agendas políticas, permeadas por algumas fofocas sobre o universo fechado e glamouroso frequentado pelos dois. A rotina presidencial, porém, parecia-lhe enfadonha em muitos momentos. Ela sentia saudade de quando seu marido era simplesmente o governador do Texas e podia levar suas filhas ao supermercado ou enfrentar a fila na agência dos correios sem ser importunada. Sobre o cotidiano em Washington, lembra dos finais de tarde solitários: “Eu, primeira-dama da nação mais poderosa do mundo, me consumia na mesma solidão que amarguei na infância.” 

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