12/07/2006 - 10:00
José de Filippi Júnior é um senhor de 49 anos, casado, dois filhos, jeitão simplório e simpático. Na manhã da quarta-feira 5 ele voava de São Paulo para Brasília quando foi abordado, dentro do avião, por um empresário do setor de cosméticos, um dos maiores do País. “Parabéns!”, foi logo dizendo o empresário. “Precisamos marcar uma reunião para falar da campanha”, acrescentou, diante dos demais passageiros. Até a véspera daquela abordagem, aquele senhor era o prefeito de Diadema, em São Paulo. Ao desembarcar em Brasília, tomou posse como o tesoureiro oficial da campanha do presidente Lula à reeleição. Chegou para ocupar o posto que já foi de Delúbio Soares. Por isso foi abordado pelo esfuziante empresário, ávido para lhe oferecer dinheiro.
Assim que Filippi chegou ao Comitê de Campanha de Lula foi cercado por jornalistas – e envolvido em papéis e muitos constrangimentos. Isso porque ele tem que se explicar ao Ministério Público de São Paulo, ao Tribunal de Contas do Estado e ao Tribunal Regional Eleitoral – tudo ao mesmo tempo –por causa de uma série de rolos que arrumou na Prefeitura de Diadema. “Já estão me chamando de substituto do Delúbio e até de PC do PT”, desabafou Filippi a ISTOÉ, numa referência ao falecido PC Farias, ex-tesoureiro de Fernando Collor. “Esse cargo não é bom. Eu disse que não era o nome ideal.”
Ele tem razão. O PT tem 350 mil militantes ativos, milhares deles de indiscutível probidade. Mas intriga entender por que o presidente Lula escolheu como seu tesoureiro justamente um dos mais enrolados. Do passado de Filippi não salta nenhum caso de acintosa corrupção, como as que envolvem Delúbio ou PC Farias. Mas esse engenheiro civil, fundador do PT, colecionou em suas três passagens pela Prefeitura de Diadema uma série de diatribes administrativas. Numa delas, Filippi está sendo investigado pelo MP de São Paulo para explicar “a licitude da origem” de R$ 183,3 mil, dinheiro este que ele usou para quitar uma dívida judicial. Em 1995, quando prefeito pela primeira vez, usou dinheiro público para fazer propaganda da CUT e contra o governo FHC. Foi condenado pela Justiça, em segunda instância, a devolver o dinheiro. Seus bens, assim como os de sua esposa, acabaram bloqueados. Ele quitou a dívida em dezembro de 2003.
O promotor agora abriu inquérito para saber de onde veio o dinheiro. Na quarta-feira 5, em Brasília, Filippi se explicou: “Tio Mário me emprestou.” Segundo ele, Mário Moreira, tio de sua mulher e comerciante na avenida Cupecê, zona sul paulistana, sacou R$ 150 mil de uma poupança. Ele mostrou o cheque. Quanto ao restante,
28 amigos se cotizaram. Ele promete apresentar cada um. Até aí, tudo bem. O problema é que se descobre agora que o novo tesoureiro de Lula vai passar pela incômoda situação de movimentar gastos previstos de R$ 89 milhões devendo
ao tio Mário 0,2% disso.
Há mais rolos na vida do bom Filippi. Um deles diz respeito a uma causa judicial milionária que ele entregou em 1996 ao companheiro deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Trata-se de uma cobrança de R$ 20 milhões em créditos tributários devidos pelo Estado à Prefeitura. Greenhalgh levou a causa sem licitação – ganhou o processo e recebeu R$ 1,2 milhão de porcentual sobre a causa. “A lei permite a contratação por notória especialização”, justifica Filippi. Curioso é que o escritório de advocacia de Greenhalgh tem notória especialização em causas contra a ditadura militar. A contratação é contestada pelo MP, numa ação de 2001 ainda não julgada. Os procuradores acusam Filippi de improbidade administrativa e pedem que os envolvidos devolvam o dinheiro. O tesoureiro de Lula também está tendo que se explicar ao TSE. As contas de sua eleição para prefeito em 2004 não batem. Ele diz que arrecadou R$ 1,36 milhão e que gastou R$ 1,49 milhão. Por fim, Filippi está enroscado com o Tribunal de Contas de São Paulo. O TCE rejeitou parte de suas contas e julgou irregulares seis contratos de sua gestão na Prefeitura de Diadema. Num deles, no valor de R$ 2,2 milhões com uma empreiteira local, a prefeitura promoveu a “alteração contratual irregular” para reajustar o valor da obra. O TCE o condenou a devolver a diferença aos cofres públicos. De fato, é intrigante entender por que, afinal, Lula está indo para a segunda campanha com um tesoureiro quase tão enrolado quanto o anterior.