Os valores são impressionantes. Na quarta-feira 5, os sete candidatos que disputam a Presidência da República enviaram documentos ao Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, informando quanto planejam gastar na campanha eleitoral que acaba de chegar às ruas. O presidente Lula, por exemplo, declarou ao TSE que pretende gastar R$ 89 milhões nos próximos quatro meses, o equivalente a 250 mil salários mínimos – e mais do que o dobro dos R$ 39 milhões que declarou ter consumido na campanha que o elegeu em 2002. Geraldo Alckmin, do PSDB, oficializou um orçamento muito parecido, de R$ 85 milhões – também o dobro do que o tucano José Serra declarou ter gastado na última eleição. O senador Cristovam Buarque, candidato do PDT, informou que quer gastar R$ 20 milhões; e a senadora Heloísa Helena, do PSOL, R$ 5 milhões. Até mesmo os candidatos nanicos, que dispõem de segundos nos programas de tevê e nenhuma chance de chegar lá, apresentaram orçamentos estratosféricos – Luciano Bivar, do PSL, de R$ 60 milhões, e José Maria Eymael, do PSDC, de R$ 20 milhões. Somente Rui Pimenta, do PCO, prometeu gastar a módica quantia de R$ 100 mil. Somados, os sete candidatos prevêem gastar nada menos que R$ 279,1 milhões. “Confesso que tomei hoje um susto muito grande quando vi as previsões de gastos eleitorais”, reagiu Gerardo Grossi, ministro do TSE. “A eleição passada já foi de muita gastança; a deste ano prevê quase o dobro de gastos”, acrescentou. “Esse é só o teto, não devemos gastar tudo isso”, defende-se o presidente do PT, Ricardo Berzoini, coordenador da campanha de Lula.

Há de fato algumas ficções nesses números. Para começar, engana-se quem imagina que vão dobrar os gastos de campanha. Na verdade, depois do vendaval provocado pelo mensalão, dólar na cueca e pela constatação de que PT, PSDB e os demais partidos usaram caixa 2, a ordem dos candidatos (e principalmente dos empresários doadores) é tentar fazer uma campanha só com dinheiro contabilizado. Antes de protocolar suas previsões no TSE, coordenadores das campanhas de Lula e Alckmin trocaram telefonemas. Combinaram apresentar números próximos à realidade – com alguma margem de manobra. Ou seja, as campanhas de Lula e Alckmin custarão de fato mais de R$ 80 milhões cada uma. Esses valores foram calculados com base nos gastos reais de 2002. Só que Lula declarou ter gasto R$ 39 milhões e o PSDB, com o candidato José Serra, R$ 60 milhões. Dada a diferença entre o que foi de fato gasto e o que foi declarado em 2002, dá para ter idéia do esplendor do caixa 2 na última campanha. Entre os demais candidatos, Heloísa Helena planeja arrecadar e gastar de fato R$ 5 milhões. Cristovam, por sua vez, organiza uma campanha de R$ 5 milhões – e se emplacar nas pesquisas, pode acelerar até R$ 10 milhões. A estratégia de Lula é gastar cerca de R$ 50 milhões no primeiro turno. Se Lula farejar vitória fácil, deve ficar por aí. Se Alckmin ultrapassar o patamar de 37% nas pesquisas e o ameaçar, então terá que intensificar a campanha – e os gastos. Se houver segundo turno, Lula e Alckmin planejam gastar mais R$ 20 milhões cada um.

Outro aspecto que sobressai nesse início de corrida eleitoral é saber, afinal, de onde virá todo esse dinheiro. Oficialmente, o PT escalou um novo tesoureiro, José de Filippi Júnior, para pedir a ajuda de empresários simpatizantes. Na prática, ele vai funcionar muito mais como um controlador de despesas do que como arrecadador. Quem vai cuidar do contato inicial com os grandes doadores é o coordenador geral e presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini. Ele ocupa o espaço que em 2002 foi de José Dirceu. Berzoini também herdou a lista sigilosa dos empresários amigos do PT. “Não devemos ter nenhum problema nesta campanha”, adianta ele. “As empresas grandes e médias quase sempre doam para os principais candidatos.” O assessor Internacional do Planalto, Marco Aurélio Garcia, vai ajudar Berzoini nessa tarefa. Se for necessário, Lula deve convocar para contatos com empreiteiros o ex-presidente da Infraero Carlos Wilson. Nos últimos três anos, a Infraero investiu R$ 1,6 bilhão nos aeroportos – as únicas obras de porte de todo o governo.

Na campanha de Geraldo Alckmin, o jurista Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça, é o tesoureiro oficial. Reale nada entende de contabilidade nem tem experiência com arrecadação de verbas. Está ali para emprestar ao posto ilibada reputação. Será auxiliado por alguns amigos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como o ex-ministro da Justiça José Gregory e o ex-presidente da Vasp Antônio Angarita. O candidato tucano montou um instituto para tocar sua campanha independentemente do partido, com amigos realmente interessados em que ele seja eleito, como o ex-ministro Paulo Renato e o professor Roberto Gianetti. O vereador tucano José Aníbal está ajudando. Eles já estão mantendo os primeiros contatos com empresários. Alckmin e José Serra, candidato ao governo do Estado, pretendem dividir os comitês em São Paulo porque está faltando dinheiro. Mais para Alckmin do que para Serra. Alckmin colocou um amigo dentro do grupo de Serra, José Henrique Lobo, para fazer contatos com fornecedores da prefeitura paulistana. Os alvos preferenciais são os empresários dos setores de vigilância e limpeza. Eles já sinalizaram que pretendem ajudar Serra, mas ainda não abriram as carteiras. Sobre Alckmin, estão se fazendo de desentendidos. Ele está provocando suas próprias dificuldades. Não aceita jatinho de empresários (só do presidente do PSDB, Tasso Jereissati) e avisou que vai rejeitar a ajuda de empreiteiras com negócios no Estado. “Não recebo de quem construiu para mim”, avisou.

Este ano o dinheiro está curto. Esta é a principal razão pela qual as campanhas presidenciais ainda estão chochas. Comércio e agricultura não deram dinheiro
para candidatos ao Planalto – só para deputados e senadores. O setor de serviços, que abriga empresas como as de segurança e limpeza, está investindo nos governadores e deputados estaduais. Os bingos, que em 2002 apostaram na campanha presidencial, agora só querem saber de governadores. Em 1989, as entidades industriais se engajaram de carteira aberta na campanha de Collor –
mas nos três pleitos seguintes deram muito pouco para os candidatos. Os empresários, em geral, não gostam de contribuir conjuntamente. Quando doam,
é direto para o candidato. Nenhum dos grandes grupos econômicos, como Votorantim, Gerdau e Vale do Rio Doce, abriu suas carteiras até o momento. Mas eles costumam ajudar todos os principais candidatos, em todas as eleições –
R$ 500 mil em média para cada um. Na Fiesp, em São Paulo, há reclamações generalizadas contra Lula e contra Alckmin. Contra Lula, porque a política industrial não saiu do papel e a carga tributária só aumenta. Contra Alckmin, porque não decola nas pesquisas. Em público, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, está dizendo que vai apoiar quem se comprometer com a agenda da indústria. Nas conversas reservadas, está aconselhando seus pares a fechar a torneira para Lula. E a observar se Alckmin vai subir.

Restam dois setores nos quais os candidatos devem abastecer suas campanhas. Primeiro, os empreiteiros. Sempre foram os grandes doadores, mas este ano as grandes construtoras, como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, estavam aguardando a oficialização das candidaturas. O que se discute entre as empreiteiras é como efetivar as doações no caixa um. Se declararem ao TSE
tudo o que doam, podem ter problemas com o Ministério Público na hora de pegar
as obras públicas. Significa que, este ano, o setor financeiro deverá bancar o grosso das campanhas. Os grandes bancos já avisaram que só farão doações escrituradas, no caixa um. Estão fazendo pequenos comitês internos para tratar do assunto. Na tabela dos grandes bancos, candidato a senador com chances leva R$ 200 mil e
a deputado R$ 100 mil. Eles não têm interesse em governador. Para presidente,
o valor das doações ainda não foi definido. Na última campanha, os grandes deram R$ 5 milhões legalmente para cada candidato – e outros R$ 10 milhões no caixa 2. Este ano, a proposta em debate é dar R$ 15 milhões para Lula e Alckmin, mas só dinheiro contabilizado.