15/06/2005 - 10:00
"Um dia, quando tinha 17 anos,
me perdi de vista.” Essa é a
primeira frase de Os amanhãs
(Rocco, 128 págs., R$ 26),
romance de estréia do francês Hafid Aggoune, que conta a história de Pierre, um homem à beira do vazio. Em plena adolescência, o protagonista é terrivelmente golpeado: Margot, sua amada, é levada pelos nazistas para um campo de concentração, de onde não voltaria com vida. Desde esse momento, ele desaparece diante dos próprios olhos. Pierre continua a viver, mas só se dá conta disso 59 anos depois, num asilo e após o impacto de uma nova morte, a de um pintor que pintava quadros no ar e que, assim, alimentava sua existência silenciosa. A trama é desenvolvida sob a ótica do retrovisor, mas com recursos narrativos originais. Percebe-se quando a luz se apaga para aquele homem. E seu esforço, ainda que tardio, para reinventar a vida aos 76 anos.
Diz Pierre que o passado tem raízes no amanhã. E essa é a artimanha preferida do autor: traçar um caminho de idas-e-vindas que reforça o estilo existencial da obra. Embora tenha um gap de décadas, o protagonista conclui que não perdeu muita coisa, valendo-se de reflexões típicas de Albert Camus ou Jean-Paul Sartre, mestres do existencialismo. “O mundo não mudou, nem ontem nem hoje, e não mudará amanhã. Um dia, acordamos numa terça-feira. A noite virá e não estaremos mais na terça”, diz. Mas ele sabe que, embora o mundo se repita, o olhar de quem vive se transforma quase que diariamente.
Não há lamentos na voz do velho que se exilou da vida devido a um amor perdido
na adolescência. Renascido aos 76 anos, ele quer redescobrir os pequenos prazeres, como ver o mar, ouvir uma música, admirar uma obra de arte. A amargura não predomina neste romance. A noção de eternidade é o elemento que se faz
mais presente, mesmo que a eternidade tenha a permanência de apenas um instante. Aggoune tem origem espanhola, marroquina e judaica. Mora em Paris
e foi classificado, numa resenha do Le Figaro Litteraire, como “uma das mais
belas surpresas da temporada”. É, sem dúvida, uma promessa da nova
literatura contemporânea.