É rigorosamente impossível contar a bonita
história do rádio e da televisão do País sem
esbarrar no talento, na criatividade e nas
realizações do paulistano Silvio Luiz e do
mineiro Rui Viotti. No rádio, Silvio foi ator,
repórter esportivo e locutor. Na tevê, fez de
tudo e tornou-se um dos mais populares
locutores esportivos brasileiros. “Olho no
laannnnce!, Pelas barbas do profeta!, Foi, foi,
foi, foi, foi, foi elee!, Minha Nossa Senhora.
”Quem não ouviu um desses bordões, colados
na rotina do povão por sua voz de trovoada? O
refinado Viotti é exemplar da mesma safra. Um dos pioneiros das transmissões esportivas internacionais, pela rádio carioca Tamoio, fez trabalhos brilhantes na Copa de 50, liderou as primeiras locuções de F-1 na tevê, nos anos 70, e coordenou a cobertura da Copa de 1990 pela extinta Manchete. É justo afirmar que sua voz elegante e segura é a própria voz do tênis. Afinal, não houve grande momento desse esporte, incluindo os três títulos de Gustavo Kuerten em Roland Garros, que não tenha recebido a sua marca. Silvio está na Bandeirantes e Viotti, após uma pausa para descanso, analisa propostas para voltar ao trabalho. ISTOÉ juntou os dois amigos e constatou que os bastidores dessas duas trajetórias rendem muitas histórias saborosas.

Silvio inicia a conversa. Destaca o terror que representava arrumar uma simples linha telefônica em estádios de países hermanos nos anos 70 e 80. “A rede local oferece a imagem e cada um produz o seu som.” Logo se lembra de Jesus, o homem das linhas na Colômbia. “Eu chamava o Brasil e nada. Descia quatro andares, reclamava com Jesus, ele dizia ‘tranquilo, no hay problema’. Eu subia e nada.” O ciclo era repetido várias vezes até Silvio se convencer de que algo diferente deveria acontecer. “Lá pela oitava vez, eu apertava a mão dele com uma nota de 50 doletas na minha e dizia: ‘Jesus, puta que o pariu, a minha linha… Ele embolsava e repetia a resposta. Só que eu subia, chamava o Brasil e aí… resposta imediata. Era sempre assim.”

Viotti lembra de um episódio na década de
50, na Tamoio. “Era um jogo do Vasco na
França. Em algumas ocasiões, a gente dublava outra estação. Eu comentava e o Júlio Delamare narrava”, explica. “Como sabíamos um pouco de francês, ligamos numa rádio de lá e mandamos ver.” Delamare sentiu-se mal, saiu e eu assumi a narração. “Ele voltou e eu disse: ‘Está zero a zero.’ No segundo tempo, ele disse: ‘Está um a zero para eles!’ Eu me assustei: ‘O cara não gritou gol.’ Ele: ‘Mas em francês não se grita gol, a palavra é outra.’” O jeito foi “narrar” um gol do time francês na segunda etapa. Tudo invenção. “Não havia imagem, ninguém via nada. Era o jeito”, diverte-se Viotti. Num outro jogo do Vasco, em Buenos Aires, Viotti perdeu o sinal da rádio local e passou a inventar os lances enquanto o técnico procurava outra “matriz”. Como não conseguiam achar, decidiu sintonizar a rival Tupi para dublar o locutor Doalcei Camargo. “Só que eu descobri que ele, com o mesmo problema, estava me dublando, ou seja, copiando o jogo que eu inventava.”

Embora não estivesse na Manchete na época, Viotti gosta de contar a história da recuperação, a toque de caixa, de dezenas de antenas por microondas da extinta Rede Tupi para transmitir as finais do Brasileirão de 1986, que se estendeu até o ano seguinte. “A Manchete anunciou os jogos ao vivo para todo o País. Para mandar as imagens de São Paulo para o Rio, onde elas entrariam em rede, precisavam do único satélite disponível na época”, diz. Para atrapalhar a concorrente, conta Viotti, a Rede Globo reservou o satélite exatamente nos períodos dos dois jogos. A Manchete deu o troco. Dias antes da primeira partida, mandou capinar morros e recuperar as microondas terrestres há muito tempo abandonadas. Equipes se revezavam num trabalho ininterrupto. “Para surpresa do pessoal da Globo, a imagem entrou.

Viotti considera seu melhor momento profissional a transmissão de um Brasil e Paraguai pela tevê, em 1959, com 25 minutos de atraso – a CBF proibira a partida ao vivo. “Montamos um estúdio num prédio em construção ao lado do Maracanã. O cinegrafista filmava um trecho, saía correndo, revelava e a gente passava logo depois, com o retardo. Foi heróico”, emociona-se. Silvio elege a Copa de 1982, pela Rádio Record, quando criaram uma campanha aconselhando as pessoas a abaixarem o volume da tevê na Globo e ver os jogos ouvindo a rádio. O dono da idéia da campanha? Um amigo chamado Rui Viotti. Como se vê, essa dupla há algum tempo faz concertos em duas vozes.