Religioso e de gosto refinadíssimo, o monge Pérignon não aprovaria o quadro de uma mulher semicoberta, sendo observada por três marmanjos mascarados. No século XVII, em pleno convento beneditino em Hautvilles, na França, essas imagens tendiam a provocar agulhadas naquele ponto entre a alma e o fígado e a certeza da decadência moral dos filhos de Deus. No entanto, caso tivesse o socorro de uma taça do produto que inventou, o champanhe, talvez o monge apenas ordenasse, como penitência, a reza de dez ave marias e perdoasse o autor da estampa obscena. Afinal, o pecador no caso é ninguém menos do que Karl Lagerfeld, o gênio do design e comandante da casa Chanel de Haute Couture. Sua intenção, baseada em desenhos do artista francês do século XVII Moreau e de pintores do século XVIII, foi modernizar a marca Dom Pérignon. A campanha publicitária culminou no lançamento da safra de 1998, numa festa para 250 pessoas em Tribeca, na baixa Manhattan.

Karl Lagerfeld é impossível de passar despercebido. Ele é aquele sempre de preto e colarinho branco alto, com jeitão de governanta alemã dominatrix, cercado de fotógrafos por todos os lados. Durante toda a noite de 2 de junho, ele só foi menos paparicado do que o champanhe de 1998. Entre as estrelas, a modelo Almudena Fernandez e a atriz Julianne Moore. Apenas Julianne seria reconhecida pelos brasileiros, apesar de ser baixinha, magrinha e com cabelos escorridos. Bem diferente daquela que aparece maior do que a vida, nas telas.

Mas a festa não precisava de brilharecos. Bastava a preciosidade desvendada às 23 horas: a safra 1998. Dizem que Pérignon não provava as uvas que lhe traziam para a feitura do champanhe antes de elas terem dormido sob o sereno. Então, de manhazinha, o velho monge, em jejum, comia os frutos, ainda molhados. Eram, como continuam até agora na tradição, uvas do tipo chardonnay e pinot noir. Aos 30 anos, este gênio alquimista resolveu fazer vinho branco usando uvas utilizadas para vinhos tintos. O resultado é um líquido claro e com a vantagem de menor acidez. A fermentação, em garrafas com rolhas enroladas em arame, traria a quantidade de gás que marca este espumante mitológico. O monge passou 47 anos desenvolvendo o produto, até morrer em 1716. Não que a maioria dos presentes ao galpão de Tribeca se importassem com estas informações. Estavam bêbados de felicidade apenas por provar a safra 1998. O velho Pérignon certamente aprovaria e ficaria orgulhoso.