Em 1914, em Corumbá (MS), a Daslu chamava-se “Petit Paris”. Vendia grifes de Londres, Paris, Berlim e Viena. Os homens achavam indispensáveis os ternos de linho irlandês. O Bijou Theatro, com mais de 500 lugares, trazia operetas recém-lançadas em Montevidéu e Buenos Aires. As manhãs dos domingos corumbaenses eram marcadas pelo “cricket”, novidade trazida pelos ingleses. O Lloyd Brasileiro mantinha dois confortáveis navios subindo o rio da Prata e o Paraguai, servindo a linha Buenos Aires–Montevidéu–Corumbá. A cidade era uma espécie de embrião do Mercosul. Os prédios comerciais tinham um estilo peculiar, mais parecidos com a aspereza semiclássica dos edifícios de Buenos Aires. Infelizmente, a decadência econômica fez o comércio definhar, os negociantes desaparecerem e a população empobrecer. Ficaram apenas os prédios imponentes da fase áurea, já tombados, que aguardam a liberação dos recursos do Projeto Monumenta. Mas, enquanto o dinheiro não vem, houve quem se antecipasse.

Patrocínio – Ângelo Rabelo, ex-secretário de Meio Ambiente e Turismo de Corumbá, conseguiu, do grupo J. Macedo, a concessão de um antigo moinho de trigo, instalado na beira do rio Paraguai, desativado há 25 anos. Com a ajuda da mulher, a bailarina Márcia Rolon, obteve patrocínios – o mais importante deles vem da Vale do Rio Doce – e reformou inteiramente o prédio. Ali, montou uma escola que, além do currículo normal, ensina música, dança e quatro idiomas: português, francês, inglês e espanhol. Afinal, a Bolívia está ali ao lado, a menos de dez quilômetros do Moinho Cultural Latino-Americano, nome dado à escola, que recebe dezenas de crianças pobres bolivianas. Já em 2004, no primeiro ano de funcionamento, atraiu 225 crianças de baixa ou nenhuma renda. Muitas nem sequer freqüentavam o curso primário. Outras perambulavam pelas ruas da cidade. Hoje, elas aprendem a lidar até com computadores.

Márcia trouxe o bailarino cubano Luiz Gonzales e a bailarina Duda Braz para dar aulas. Ambos haviam se apresentado num dos festivais de dança que o então secretário Ângelo Rabelo realizava anualmente em praça pública. Na época, ficaram emocionados com o interesse da platéia, formada basicamente por pessoas simples. Mais tarde, ambos aceitaram a proposta de Márcia. Hoje moram no moinho, que tem apartamentos para seus professores, inclusive para um rapagão canadense, que dá aulas de inglês e francês. É provável que o inglês de seus alunos tenha um leve sotaque de Quebec. Mas com certeza ninguém vai reparar nisso ali, às margens do rio Paraguai, em pleno coração da América do Sul.