No Nordeste brasileiro, bode é coisa séria. Tão séria que o bicho deu
nome e alma a um festão daqueles no Cariri paraibano. No último final de semana, mais de 50 mil pessoas
foram prestar sua reverência à sua majestade do sertão em Cabaceiras, microcidade de pouco mais de quatro mil habitantes, situada a 186 quilômetros da capital, João Pessoa. Esse mundaréu de gente, mais de dez vezes a população do lugarejo, bodejou, bodeou, cabriteou e cabroteou no sétimo festival de Caprinos e Ovinos de Cabaceiras, a já célebre Festa do Bode Rei. O evento é uma prova do carinho do sertanejo pelo animal que é a própria síntese de sua incansável batalha por uma existência menos sofrida. O nordestino sabe que a vida sem bode é miserável, inclemente. Por isso, trata o bicho como se fosse o mais querido dos entes. “Bode é que nem uma moça. Quando você simpatiza, não larga mais”, diz Abílio Alves Viana, 41 anos, dono de 40 cabeças entre bodes e cabras.

Bolsa-Família, Bolsa-Escola, aposentadoria… Todos esses programas e benefícios ajudam. Mas quem faz a seguridade social do sertanejo, quem o torna sobretudo um forte é o bode. Josevaldo Cosme de Andrade, 35 anos, já fez bico de pedreiro, encanador e carpinteiro. Mas o responsável pelo sustento dele, da mulher e dos cinco filhos são os R$ 400 mensais que recebe para cuidar das 300 cabeças do patrão. “O bode e a cabra ajuda (sic) a criar a minha família. O leite e a carne que ele dá é (sic) favorável às crianças”, diz o sereno e sincero homem do campo. Sinceridade parece ser mesmo uma característica do homem e da mulher do Cariri. Mas as semelhanças entre o sertanejo e a estudante Danniegy Santos, 20 anos, param por aí. Pelo menos quando o papo é bode. A moça venceu 15 concorrentes e foi eleita a rainha da festa. Desfilou pela cidade, tirou inúmeras fotos e posou ao lado de Rubinho, o bode que foi coroado o Rei de Cabaceiras. Apesar da celebridade que o bicho conferiu, a bela Danniegy não foi muito elegante. “Ele é até bonitinho. Mas não gosto do cheiro dele, não. É bem fedidinho”, confessa a moça, numa atitude não muito politicamente correta.

Até o sol raiar – Se o cheiro não é dos melhores, não se pode falar o mesmo do gosto… Nas barraquinhas espalhadas pela rua principal da cidade – na verdade quase a única – locais e visitantes se deliciavam com os cortes do bode. Isso mesmo! O bicho, assim como o boi, tem picanha, filé, contra-filé, maminha, etc. Era um tal de espetinho de bode para lá, costelinha de bode para cá, pernil de bode, picanha de bode e, para os mais corajosos, a buchada. O esmero foi tamanho que Josemar da Silva Aurélio, o chef Aurélio, 44 anos, foi “importado” de João Pessoa para ensinar os barraqueiros a manipular a carne do bichinho. Os campeões na preferência do público foram a pizza de bode, feita com queijo de cabra e pedaços de filé e a tapioca de bode, simplesmente inesquecível. Para acompanhar a comilança, muita cerveja gelada e xixi-de-cabrita. O drinque, uma espécie de licor elaborado a partir de cachaça e leite de cabra, foi o combustível que embalou as noites de forró, que só terminavam quando o dia raiava. Sob o complacente olhar da estátua de Frei Damião. Agora entende-se por que muita gente trocou o famoso São João, da vizinha Campina Grande, que os paraibanos chamam de o maior do mundo, pela festança de Cabaceiras. Tudo em nome de sua majestade, o Bode Rei!