15/06/2005 - 10:00
A corrupção está tão escancarada no País que os corruptores não se preocupam nem mesmo em esconder as próprias identidades. A Polícia Federal chegou aos dois executores da gravação que filmou o chefe do Departamento de Contratações dos Correios (Decam), Maurício Marinho, descrevendo esquemas de corrupção dentro da estatal, a partir dos registros deixados pelos dois na portaria do prédio, no centro de Brasília. O advogado paranaense Joel Santos Filho e seu parceiro, o professor João Carlos Mancuso Vilella, informaram seus nomes verdadeiros no balcão de identificação. Já para Marinho, deram nomes falsos. Joel, que teve quatro encontros com o ex-chefe do Decam, se apresentava como “Goldman”, e Mancuso Vilella, que participou apenas da última reunião se fazendo passar por diretor financeiro de uma multinacional, identificou-se como “Paulo Vítor”. Os dois foram presos pela PF na quinta-feira 9. Também foram detidos o capitão da reserva da PM de Minas Gerais José Santos Fortuna Neves, ex-araponga do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), e o consultor Arlindo Molina, que tentaram negociar a fita com o presidente do PTB, Roberto Jefferson. Fortuna disse que não participou do grampo, mas o executor, Joel, que foi preso em Curitiba, revelou à PF que foi contratado pelo ex-araponga para fazer a gravação.
A Polícia Federal vem tratando o caso como uma guerra comercial. Fortuna, que na ditadura era conhecido pelo codinome “Doutor Ramos”, representava duas empresas de informática – a Intermec e a Omni – que perderam a disputa por um negócio de R$ 35 milhões nos Correios para uma terceira, a HHP. A licitação, encomendada pela diretoria de Tecnologia, controlada pelo PT, acabou revogada por interesse público. Além de contratos comerciais, o ex-araponga coleciona uma série de ligações políticas. Na ditadura, era o braço direito do general linha dura Newton Cruz, chefe da Agência Central do SNI no governo Figueiredo, e ligado ao tenente-coronel e também agente do SNI, Sebastião Curió.
Em Serra Pelada, era conhecido por comprar carretas de leite em pó com validade vencida e revender o produto aos garimpeiros. Foi filiado ao PMDB, no qual se aproximou do atual líder do partido no Senado, Ney Suassuna (PB). Em conversas com colegas de farda, se diz amigo e admirador de um político ainda mais graduado: o vice-presidente da República, José Alencar, atual ministro da Defesa, ex-PMDB e agora PL.
Entra-e-sai – Fortuna também mantinha
relações com o próprio Marinho, a quem ajudou a ocupar o posto de reitor da Universidade dos Correios antes de assumir a chefia do Decam. Ele fez pelo menos três tentativas de agendar um encontro com João Henrique de Souza, do PMDB – ex-presidente dos Correios –, antes de gravar sua conversa com Marinho. Uma das atribuições funcionais de Marinho era receber fornecedores e informá-los a respeito do andamento de contratos e licitações dos Correios. Daí, o entra-e-sai permanente de empresários em sua sala. E, em seus depoimentos à Polícia Federal e ao Ministério Público, o ex-chefe do Decam afirmou que, freqüentemente, recebia gente a pedido de políticos. Um dos freqüentadores da diretoria de Administração dos Correios, ocupada até a semana passada pelo petebista Antônio Osório, chefe de Marinho, era o genro de Roberto Jefferson, Marcus Vinicius Vasconcelos, que esteve na sede dos Correios em 2004 pelo menos três vezes – ele costumava levar determinados fornecedores até Marinho. O genro de Jefferson pediu ao ex-chefe do Decam que recebesse dois representantes de uma multinacional fabricante de copiadoras.
Marinho disse ter recebido Marcos Rennó, consultor da Fujiwara, uma fornecedora paranaense de calçados para os Correios, a pedido do próprio diretor Antônio
Osório e do deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE). Outro petebista, Nelson
Marquezelli (SP), também freqüentava o gabinete de Osório e, segundo Marinho, “provavelmente” encaminhou empresários. Pelo gabinete de Marinho passou
ainda o jornalista-lobista e ex-candidato a presidente Antônio Pedreira, do nanico Partido do Povo Brasileiro. Ele fazia lobby para um calçadista gaúcho que teve contratos cancelados pelos Correios. Nas conversas, Pedreira se dizia “bem-relacionado em todo o Planalto”.
Apesar de ter uma agenda cheia, os poderes de Marinho eram relativamente restritos. Em escala de importância orçamentária e número de negócios, a área
de Administração, responsável pelo material de custeio, ocupava colocação humilde se comparada às áreas de Tecnologia, que comandava obras e compra de computadores, e de Operações, responsável pelo transporte de correspondências.
A principal ligação de Marinho, que aparece na fita recebendo R$ 3 mil da dupla Joel e João, era com outro petebista, o ex-presidente da Eletronorte Roberto Garcia Salmeron, padrinho de um de seus dois filhos e egresso dos Correios. Aos procuradores e ao Fisco, Marinho declara ter um patrimônio modesto: dois apartamentos de classe média em Brasília – um comprado para o filho e a nora morarem, no valor de R$ 168 mil, e outro, semelhante, financiado – e o ágio de um terceiro, também de padrão médio, pago com R$ 70 mil de economias que guardava em casa. Tem, ainda, dois carros, uma Parati 1.6, ano 2003, e um Celta 1.0, ano 2004. Nos depoimentos, Marinho diz que pediu afastamento do cargo em março para tratar da saúde, pois sofre de diabete e hepatite medicamentosa.