Da varanda de seu apartamento na praia de Boa Viagem, no Recife, um senhor de 75 anos fala ao telefone. Está deitado numa rede. Sob a brisa do mar, ele dispara: “Faço 100 mil votos sem sair desta rede.” O nome dele é Severino Cavalcanti, o ex-rei do baixo clero do Congresso que, no ano passado, renunciou ao mandato de deputado e à presidência da Câmara debaixo da acusação de receber um mensalinho de Sebastião Buani, comerciante que explorava os restaurantes e lanchonetes que servem aos deputados e funcionários. Assim, esparramado na rede, é que Severino parte para mais uma campanha. Ele infla o peito para dizer que não precisa fazer muito esforço para voltar a Brasília pelo PP, um dos partidos que figuram no escândalo do mensalão. O ex-deputado admite, sem qualquer vergonha, que consegue seus votos na base do toma-lá-dá-cá: libera verbas do governo federal para prefeituras e ganha em troca o apoio dos prefeitos, que arregimentam os eleitores. É o velho clientelismo, só que escancarado. Na semana passada, Severino falou a ISTOÉ por quase duas horas. O ex-deputado se prepara para subir no palanque de Lula em Pernambuco e não está nem aí se sua presença vai constranger o presidente: “Isso é problema dele, não é meu.”

ISTOÉ – O sr. não tem vergonha de voltar ao Congresso?
Severino Cavalcanti
– Teve alguma coisa demais no que aconteceu comigo? Eu apenas renunciei para o Lula não cair. O que a oposição queria era atingir o Lula. Eu arquivei seis pedidos de impeachment contra ele. Eu não fiz nada, por isso não tenho vergonha de nada. Voltarei com uma votação surpreendente. E será o Severino de sempre.

ISTOÉ – Como será a campanha?
Severino
– Muito suave. Faço 100 mil votos sem sair desta rede. Eu posso ficar em casa que eu tô eleito.

ISTOÉ – Por que o sr. acha que vai ser tão fácil?
Severino
– Eu tenho as prefeituras. Eu consigo dinheiro para elas e os prefeitos trabalham para mim. Hoje eu tenho 12 prefeitos aqui em Pernambuco e mais um monte de vereadores.

ISTOÉ – Esse dinheiro é de emendas?
Severino
– É. Eu tenho que aproveitar os meus amigos em Brasília. É isso que dá sustentação às minhas bases. Para mim não tem porta fechada na Esplanada. Eu tenho conseguido dinheiro em todos os Ministérios.

ISTOÉ – O sr. não se constrange em fazer política na base do toma-lá-dá-cá?
Severino
– Não vejo nada de errado nisso. É obrigação do político, desde que seja para beneficiar a população. Outros deputados fazem o mesmo. É que esses outros são manhosos, recebem e ficam calados. Eu falo mesmo que consegui e pronto.

ISTOÉ – O sr. se considera credor do presidente Lula?
Severino
– Se eu não tivesse arquivado os pedidos de impeachment, eles iam tumultuar a vida do País. Eu não fiz isso para ser agradável ao Lula. Foi para agradar ao País.

ISTOÉ – O sr. tem falado com o presidente?
Severino
– Tenho. Estive com ele há um mês e foi uma conversa normal. Eu
sou um aliado.

ISTOÉ – O sr. vai subir no palanque dele?
Severino
– Vou fazer campanha para valer. Já mandei fazer um panfleto com
minha foto ao lado do Lula.

ISTOÉ – Isso não vai causar constrangimento?
Severino
– Isso é problema dele, não é meu. Eu estou com a consciência
tranqüila. Eu não tenho vergonha do que eu não cometi.

ISTOÉ – O sr. continua acreditando que o mensalão não existiu?
Severino
– Eu nunca presenciei, durante o tempo em que eu estava na
Câmara, que havia esse mensalão. O que dizem aí é baseado em coisa que
não tem prova. Eu nunca tive mensalão nem mensalinho.

ISTOÉ – O sr. diz que não teve mensalão, mas o que são os repasses
de dinheiro do valerioduto para deputados?
Severino
– Isso é o desvirtuamento do pessoal ligado ao governo, que aproveitou para dizer que precisava disso ou daquilo para fazer seu enriquecimento próprio.

ISTOÉ – Para analistas, esta é a pior legislatura do Congresso…
Severino
– Não se pode dizer isso! Na compra de votos, durante o governo FHC,
foi a mesma coisa. Eu era corregedor da Câmara e foi o maior escândalo do
mundo. Também teve o escândalo dos anões do Orçamento. Teve deputado
que renunciou ao mandato para não ser cassado. E os anões ainda estão aí.

ISTOÉ – Esse esquema prevalece até hoje?
Severino
– Está lá a mesma coisa.

ISTOÉ – O sr. acredita na reeleição do presidente?
Severino
– Eu acho que para o Lula a eleição vai ser até mais fácil do que para mim. Esse (Geraldo) Alckmin é candidato de brincadeira, não tem a sensação do povo.

ISTOÉ – O sr. vai continuar defendendo o nepotismo e o aumento de
salários para os deputados?
Severino
– Tenho coragem de defender meus pontos de vista, mesmo que não agradem. É evidente que deputado tem que ganhar mais.

ISTOÉ – Mas R$ 12 mil não são suficientes?
Severino
– Não é, não.

ISTOÉ – Quanto seria?
Severino
– Igual ao salário dos ministros do Supremo, vinte e tantos mil reais.

ISTOÉ – Na declaração à Justiça Eleitoral o sr. diz que tem R$ 320 mil
em casa. De onde vem o dinheiro?
Severino
– Isso é dinheiro que eu tenho há tempo, que não gosto de deixar
em banco. Sou adepto do colchão.