Ele iniciou seu comunicado gaguejando: “Boa tarde. E-eu é… que-quero cumprimentar a… aos que lutam por um país melhor.” Estava tão nervoso que atropelava até as expressões mais simples. Durante a entrevista coletiva concedida na última quarta-feira 8, Delúbio Soares parecia longe daquela figura que os amigos descrevem conferindo características como simpático, afável, brincalhão. Firmeza, mesmo, só na hora de acusar: “É uma chantagem.” Tentava disfarçar, mas o nervosismo era visível. O todo-poderoso tesoureiro do PT não passava de um homem abatido, prostrado, cujo olhar implorava pela ajuda do companheiro José Genoino, presidente do partido. Mas este, embora tenha controlado a entrevista com mãos de ferro, deixou para trás, abandonada sobre a mesa, uma folha de papel dobrada em quatro que denunciava a enorme aflição do ex-guerrilheiro, hoje capaz de apelar até ao Espírito Santo: “(…) amor do Pai e do Filho, inspirai-me sempre aquilo que devo pensar, aquilo que devo dizer, como devo dizê-lo.”

Mesmo para um marxista, a oração é compreensível. Naquela hora, toda ajuda era bem-vinda. Pouco antes, Genoino saíra de uma reunião da Executiva Nacional do PT para enfrentar o momento político mais tenso de sua vida pública até então. Em frente à sede do diretório, em São Paulo, uma centena de jornalistas se aglomerava. As credenciais de imprensa que duram um mês na recepção acabaram em poucas horas. Atônitos, os funcionários, em sua maioria militantes petistas, tentavam organizar o tumulto. Um deles não escondeu a insatisfação: “Estes abutres ainda estão aqui?”, reclamou, referindo-se aos repórteres. Enquanto isso, lá dentro, Delúbio – que chegou num carro blindado e protegido por batedores – jurava inocência aos colegas. E Genoino ganhou a votação: a Executiva decidiu que Delúbio fica no cargo, para desespero do Planalto. Em Brasília, o presidente Lula não se conforma e manda recados pedindo sua saída.

Lula quer distância de um amigo do qual sempre esteve perto. Pertíssimo. Delúbio pertence – ou pertencia? – à cúpula governamental: negocia cargos de confiança, participa de reuniões, opina. Circula com desenvoltura pelos gabinetes do alto escalão. Não houve ministro que não tenha visitado. Em 2003, mesmo sem possuir cargo no governo, acompanhou o presidente numa viagem à África. Receptivo à imprensa, deu diversas entrevistas, nas quais aparecia como o competente secretário de Finanças que alavancou o caixa do PT em milhões. Seu comportamento nada reservado lhe rendeu broncas do próprio Lula. Afinal, a discrição, ressalvam os manuais da política, deve ser aliada constante de um tesoureiro de partido. Mas para Delúbio isso é difícil.

Bons charutos – O garoto pobre nascido em Buriti Alegre (GO), que foi sindicalista e professor de matemática, é vaidoso. A simplicidade ficou para trás. Hoje, aos 49 anos, ainda preserva o forte sotaque goiano, mas gosta de roupas finas e fuma caros charutos Cohiba. A mudança no estilo de vida deixou alguns petistas ressabiados e, conforme Delúbio ia se envolvendo em episódios suspeitos, as restrições só aumentavam. Foi acusado de pedir ao Banco do Brasil que patrocinasse um show para arrecadar fundos para o PT. Depois, durante investigações sobre a Máfia dos Vampiros, do Ministério da Saúde, seu nome surgiu como um dos beneficiários do esquema. Agora, o “mensalão” bombardeia definitivamente sua imagem e abala suas pretensões eleitorais – ele sonhava com o governo de Goiás.

Tanta confiança depositada em Delúbio hoje tem um alto preço, a ser pago
pela cúpula do PT e do governo. Blindá-lo pode ser uma parte do pagamento. Curiosamente, a palavra “delúbio”, de origem latina, significa dilúvio:
“Cataclismo. Inundação universal”, segundo dicionário Novo Aurélio. Talvez
seja por medo dos estragos causados por um dilúvio, capaz de arrasar toda a terra ao seu redor, que nem a atrapalhada entrevista do tesoureiro fez o PT desistir de protegê-lo. Ele conseguiu decepcionar ainda mais aos que esperavam declarações enfáticas. “Deixou a desejar. Faltou a reação indignada do caluniado, até porque parto do pressuposto de que não há nada contra ele”, avaliou o deputado Chico Alencar (PT-RJ).

Intriga – A entrevista que revirou estômagos em Brasília foi mais uma demonstração da inépcia do PT e de seus métodos para gerir a crise. Pudera. Enquanto as redes de tevê transmitiam ao vivo o evento mais importante do País no momento, Mônica Valente, mulher de Delúbio e secretária de Assuntos Institucionais do partido, entregava bilhetinhos a Genoino. Um deles, esquecido no cenário ao final do espetáculo, tratava-se apenas de uma pequena intriga que mostra como andam as relações internas do PT: “Ô Gê: Cadê a Marta? Depois eu é que sou ‘oportunista’?” Marta Suplicy, vice-presidente do PT e virtual candidata ao governo paulista, participou da reunião, mas foi embora antes da entrevista. E Mônica, que foi sua chefe de gabinete e secretária de Administração Pública, quis agradar Genoino, defensor da candidatura do senador Aloizio Mercadante, na hora em que o marido, Delúbio, estava na berlinda. A assessoria de Marta explicou que a ex-prefeita “cumpriu seu papel e saiu para honrar outros compromissos”. Mas isso não deveria interessar ao PT no meio da mais grave crise política já vivida por seu governo. Se não ficar mais atento, o partido pode ver a profecia de Roberto Jefferson se cumprir. E haverá “carne e sangue aos chacais”.